Metrópole

METRÓPOLE

Amanheceu. O sol está, como sempre, no mesmo lugar.

As mesmas coisas que ele aqueceu ontem

serão aquecidas hoje.

Quantos acordaram cheios de saúde para realizar

as mesmas cerimônias de ontem?

Quantos acordaram cheios de pavor,

daquele pavor sólido que pesa dentro da alma?

Acordaram porém querendo dormir novamente...

Este vampirismo emocional que não me deixa sair durante o dia,

esta inquietação que disfarço com o meu rosto calmo,

que me coça esperando alguma reação minha.

Esta cidade que transformei num cemitério de emoções vivas,

"vai pra casa menino" grita uma senhora ao filho.

O enigma indecifrável de um pai caminhando e conversando

com seu filho caçula;

os olhos curiosos dos que espreitam pelas janelas dos ônibus

os quais nem supõem que penso neles.

A paisagem bela e magnificamente arquitetada

dos engarrafamentos de transito;

a ópera gratuita dos mendigos pedindo alguns trocados;

as cenas cinematográficas dos pedrestes

sendo assaltados em frente das delegacias;

o gorjeio delicioso das ambulâncias jubilando que alguém está ferido ou morto.

Que bom, amo tudo isso porque existe.

Se fossem diferentes também as amaria.

Sim, penso nessa cidade.

Penso na vida de todos os habitantes dessa cidade,

não há nada de que já não pensei sobre essa cidade.

Amo-a como se fosse o filho que nunca me agradeceu;

amo-a porque ela não sente minha presença

nem sabe que sequer existo.

Cada parte dela é uma parte de minha alma:

cada muro pichado é mais uma sujeira nas minhas mãos;

cada garrafa atirada pelos bêbados no asfalto

é mais um corte no meu estômago.

Cada rua escura é mais uma parte minha morta,

onde as pessoas evitam passar.

Este maldito esgoto que hoje é o meu coração.

Esta minha inútil humanidade que me faz sentir compaixão por tudo.

Que uma rajada de fuzil acerte o miocárdio desses pensamentos.

Nada é tão gratificante como acordar e ver essa natureza urbana,

não consigo viver sem deixar de absorver todas essas poluições

baforadas pelos carros e indústrias.

Idéias psicóticas para amenizar o meu sofrimento.

Todos os habitantes dessa cidade passam por esta rua

atravessam os muros de minha casa, mas não me notam.

Conversam comigo diariamente, mas nenhum deles sabe o meu nome.

Todos me viram crescer e nenhum deles sabe quem foi minha mãe.

Ó cactos de sentimentos que furam meu corpo,

minha fábrica antiga de idéias humanitárias mobilizando-me a amar.

Maldita vala por onde escorre todos os dejetos e amarguras

da cidade diretamente em meu coração.

Que dia é hoje mesmo?

O que é isso, que lugar é esse?

Não me lembro quando nasci, e como fui parar aqui...