O Andarilho
Estou de sílaba trocada,
Todo ferido por espinhos.
Dou de cara com essa parada,
Não piso mais em meus caminhos.
Onde será que eu errei?
Onde estará o meu destino?
Sei que em pouco tempo pirei
E me lancei ao desatino.
Foi tanta pedra no percurso,
Foi tanta perda adquirida!
Mudando o rio de seu curso
Pra ver se fechava a ferida.
Caindo no meu descompasso,
Um passo em falso cometi.
Sangrando aos poucos, passo a passo,
Veja bem onde me meti.
Menti tentando me enganar.
Vê se de mim sobra um pouquinho?
Tortura de fazer ninar,
Quero voltar ao meu ninho.
Pulsação batendo ligeiro,
Não tenho onde me esconder.
Marcaram-me o corpo inteiro
Sem que eu pudesse me render.
Estou com erro de concordância
E ninguém quer me corrigir.
Por mais que haja abundância,
Eu não vou poder reagir.
Todos estão ao meu redor
A contemplar o meu fracasso.
Pedem que aconteça o pior,
Enquanto não sei o que faço.
Enquanto recolho meu caco,
Olham-me de cara lavada.
Um cheiro de forte tabaco
Deixa-me cheio da risada
E desarmado, vejo tudo
O que sofro na pele casta
Chamado mero absurdo...
Na garganta, um grito: “Basta!”
Fingindo gozos e sorrisos,
Já dando minha cara à tapa
E bebendo desse tal feitiço
Que me embriaga a cada etapa.
Por não saber dizer ao certo
Tudo aquilo que eu sou,
Vou continuar o meu excerto
Que, de mim mesmo, já se cansou.
Vou eu e minha amiga Morte
Migrando contra a corrente.
Dependemos de uma tal Sorte
Que pode ou não estar contente.
Pareceu-me fogo de palha
Aquele lance que eu vivi
E me marcou como navalha,
Tal qual ferida que revi.
Ri dessa face no espelho
Relembrando velhos bons tempos
Em que eu usava aparelho,
Gastava rios em passatempos.
Como esse tempo se passou,
Passou tão rápido e não percebi!
Mudança que me transpassou:
Eu bebendo o que não concebi.
Não concebi cheiro de cola.
O horóscopo não disse quem eu era.
Sei que eu tomava Coca-Cola
E fazia o que eu quisera.
Era só mais um desconhecido,
Quando o feitiço virou brilho.
Aça, no chão, adormecido;
Aqui jaz, eu: um andarilho.
Eu já nem sei por onde piso
Nessa minha agonia torta.
Tinha lindos cabelos lisos
E muito verde em minha horta.
Sedei meu sono sem juízo
Pra ele não me reclamar
E eu não ficar no prejuízo
Nessa burrice de amar.
Amar é perder a cabeça.
Não é teu caso, e sim, o meu!
Quero que meu anjo apareça
E nesse destino meu.
Oh, pelo amor de Deus!
Saiam logo de minha presença!
Escutem, grandes ateus:
O meu pedido é uma sentença.
É uma faca afiada
Cortando minha vida em fatias
Com minha conversa fiada
E todas as minhas antipatias.
Tocai fogo nesse corpo
E um pouco mais de injustiça
Pois a sociedade é um povo
Repleto de vã justiça.
Até quando, o abandono?
Até quando, o desespero?
Aquelas noites sem sono
Valeram-me um alto preço.
Queria poder te encarar,
Olhar-te bem cara a cara.
Sei que vão me censurar:
“Drama demais para um só canalha!”
Ainda não me privaram
De olhar a luz do sol,
Porém já me condenaram
Por cantar em tom de sol.
Agora só em menor dó
Vou cantar o meu protesto.
Nem queria me sentir dó.
Só vivo porque não presto.
Eu detesto essa idéia
De bancar o sofredor.
Minha ideologia é velha.
Ainda sou um sonhador.
Eu desfaço tuas rimas,
Declaro meu, o teu acorde vã
E dou um beijo na menina
Com teu sentimento sã.
Como tudo em mim não presta,
Repito o que antes me disseste:
“Ser andarilho é o que te resta...”
E preservando as mesmas vestes.
O contágio agonizante
Desse mundo em turbilhão
Faz-me seguir confiante
Em minha profana indignação...