Impudente Indigente

Diriam-na a própria Sujeira,

aquela que pinga da velha torneira

num misto de lama e poeira.

Chamariam-na Troglodita.

Poesia manca e mal escrita,

em atávica lingua proscrita.

Rotulariam-na de esperança perdida,

por Satã possuída

e maldita por toda a vida.

Porém, talvez alguém se pergunte:

o que fizemos contigo

menina indigente?

Talvez alguém a lamente,

talvez o Povo se ausente,

pois tudo se consente

nessa Lira de Bobo Contente.

Talvez até alguém me leia.

Vi-a despertando de não sei

que outro pesadelo diferente.

Vi-a suja, seminua, impudente.

Senti sua dor, sua fome

e sua "nóia" de fera sem dente.

Tentei-lhe um novo nome,

mas ei-la sumida de repente.

Perguntei-me como coubera

tanta miséria

em seu metro e meio?

O que teria se dado? O que houvera?

De que seria seu recheio?

Tão pobre e feio

como o Passado de onde veio?

Quem recebera tal Correio,

postado pelo Deus do Receio?

Vi-a apenas num dia comum,

mas sei de seu futuro nenhum:

só uma miséria circulante.

Dessas, em que se esbarra a todo instante.