Cega pela luz
Em um caminho acidentado,
A peregrina ofegava...
Seu pés, feridos da longa jornada,
Já nem eram sentidos,
Pois todo seu corpo pesava...
Mas ela não desistia.
Se apoiava em seu cajado
E assim ia,
Quase a se arrastar.
A longa trilha parecia zombar
De seu sacrifício, de sua fé,
De seu lamento...
E ela tropeçava a cada momento,
E uma harpia ficava a gargalhar...
A peregrina, exausta, fraquejava...
Estava cansada pela trilha acidentada,
Além de carregar um pesado fardo,
Que seu corpo estava a vergar...
Mal ela notou a menina ali sentada,
Que a fitava com seus olhos tristes,
Pesarosa em vê-la desanimar...
"Deixa a harpia gargalhar..."
Sussurrou a menina,
Afastando os cabelos do rosto da peregrina.
"Ela tem medo do que trazes em ti..."
Disse a pequena,
Com voz doce, quase a cantar...
"Mas a harpia me espreita" -
Murmurou a peregrina,
Quase sem forças para falar -
"Enfeitiçou-me por maldade...
Perdi a saúde a alegria,
Se fosse só a mim, não reclamaria...
Mas meus filhos estão doentes...
Por isso a cura vim buscar..."
A menina ajoelhou-se ao lado dela,
Tomando-lhe a mão dormente,
E com um sorriso,
Falou sem hesitar:
"Volta a tua casa, peregrina penitente...
O Senhor já está nela, a visitar..."
Ao ver nos olhos da pobre mulher a surpresa,
A menina sorriu e se pôs o fardo a desamarrar,
Enquanto falava docemente
"Como pudestes do grande Pai duvidar?
Ele ouviu teu pranto,
Em cada noite silente...
Condoeu-se de tua dor e me mandou te buscar..."
"Mas...Me disserem que sem findar a jornada,
Não haveria cura..."
Murmurou a peregrina,
Antes de perceber que a menina,
Erguia o enorme fardo com uma só mão.
"Como podes isto erguer, criança?
És tão pequena..."
E a menina serena,
Sorriu e se pôs a falar:
"Eu sou o anjo que te guarda...
Que vela teu sono, noite após noite,
Levo tuas preces e pedidos...
Agora, dá-me teu fardo que ao santuário irei levar.
Te erguerás agora e para tua casa irás voltar...
E lá chegando abraça teus filhos...
O Senhor os tocou e eles não estão mais doentes..."
A peregrina então se pôs a chorar...
Queria acreditar, mas não conseguia,
Em tudo aquilo que a criança estava a afirmar.
Neste instante de dúvida,
A harpia lançou-se,
Garras em riste e gargalhando,
Como louca,
Para o bote final dar.
Antes que a peregrina conseguisse se esquivar,
Algo caiu a seus pés,
Enquanto uma luz ofuscante encheu o ar...
Tão logo conseguiu ver,
Lá estava a harpia caída,
A gemer e tremer, incontida,
Enquanto a menina estava a cantar.
"Como..." -
Antes que a peregrina terminasse o questionamento,
Uma luz morna desceu do firmamento,
Suas feridas cicatrizaram e uma doce música encheu o ar.
"Ela foi cega pela luz... A tua luz." -
Falou a menina,
Levando o fardo trilha acima,
Alegre a saltitar -
"E quando chegares em casa à tardinha,
Abraça teu filhos e não teme mais...
A harpia foi derrotada,
Seu feitiço se quebrou...
Tudo porque teu coração acreditou,
Quando a razão mandava desdenhar..."
E como lembrando de uma coisa de última hora,
A menina foi embora,
Simplesmente desapareceu no ar...
Mas um farfalhar de asas foi ouvido
E o cheiro de lírios sentido,
Enquanto a canção continuava a se elevar.
E enquanto a mulher a sua casa retornava,
Sorria, rezava e chorava,
Mas não estava mais a se lamentar...
E quando viu seus filhos,
Percebeu que, ao longe,
Estava a menina a cantar...
Tão pequena,
Com asas tão grandes...
Realmente, era ela um anjo,
Que uma mensagem viera lhe dar:
"Acredita em tua luz..." -
Cantava a menina -
"Cega o mal com ela e ele nunca irá retornar"
E abraçada a seus filhos,
A peregrina se pôs a orar...
(Para Berenice, a minha "mami" querida...
Que apesar de não ter me gerado, me
considera sua "filha do coração".
Em homenagem a sua poderosa luz interior.)