OS BÁRBAROS

os bárbaros que temem bárbaros

em seus castelos escondidos

atrás de paliçadas trancados

colecionam armas

que dos bárbaros os defendam

milhares, milhares de armas

nos armários, sob as camas

nos fornos das cozinhas

atrás dos livros nas estantes

armas e armas e armas

mortíferas, potentes

armas de bárbaros de dentro

contra as armas de todos

os outros bárbaros de fora

até que um dia, já cansados

de tanto tempo esperar

para o castelo conquistar

cansaram-se os bárbaros de fora

e para longe se mudaram

mas antes de enfim partir

num grande monte ajuntaram

bem na frente do castelo

as armas com que combatiam

e sem olhar para trás

deixaram-nas lá, as suas armas

armas tão potentes, tão mortíferas

pulam as paliçadas os bárbaros encastelados

e festejam a vitória há tanto almejada

não há mais bárbaros com quem lutar

só há bárbaros loucos a dançar

erguem fogueiras

assam batatas

tomam vinho

provocam as mulheres

tiram-nas à força

para com eles dançar

a festa se impõe

o instinto aflora

mulheres reclamam

e os bêbados maridos

e os bêbados pais

e os bêbados irmãos

não querem suas mulheres

não querem suas filhas

não querem suas irmãs

a dançar a dança

dos outros bárbaros tão bêbados

os bárbaros que dançavam

já não dançam

os bárbaros que cantavam

já não cantam

os bárbaros que bebiam

já não bebem

há no ar um cheiro de sangue

há no ar um cheiro de briga

há no ar um cheiro de vingança

e há perto das fogueiras

milhares de armas

de armas tão belas

e os bárbaros que cantavam, dançavam e bebiam

partem para cima dos bárbaros

que também bebiam, dançavam e cantavam:

ao primeiro soco a mão rebateu

à primeira cuspida com cusparada se defendeu

ao segundo murro um tiro respondeu

e então correram todos

às armas

e então buscaram todos

as armas

e então pegaram todos

nas armas

as belas armas abandonadas pelos bárbaros invasores

e a noite de festa em outra festa se transformou

bêbados, loucos, raivosos, com gosto de sangue na boca

irmão matou irmão e filho ao pai não perdoou

mulher no marido atirou e marido à sogra assassinou

calou-se a voz do que antes cantava

parou a dança do que antes dançava

e o vinho que antes alegrava

tinha de sangue o acre sabor

lá de cima do morro

de tocaia na noite

a tudo assistiam

os bárbaros espertos

que as armas deixaram

e de tocaia ficaram

no morro a esperar

o sangue correu

a batalha arrefeceu

e os bárbaros choravam

as baixas da luta

os bárbaros do morro

em hordas de bárbaros

com gritos de júbilo

desceram à campina

as gargantas cortaram

dos poucos que restaram

as paliçadas pularam

e o castelo conquistaram

agora estão lá, atrás das paliçadas

bárbaros que castelos não tinham

agora, bárbaros encastelados

bárbaros que bárbaros não temiam

entulham de armas o castelo

espiam com susto a campina

arrepiam-se a cada aragem

trancam-se com todos os cadeados

mais, cada dia mais desesperados.