MEDO

Recuei nas lembranças

até aquele dia em que encontrei a solidão.

Tudo estava diferente.

O espelho olhando-me com aqueles olhos escuros,

monótonos, da rotina de barbear.

A saudade revelando-se, fingindo necessidades

que justificassem os gestos quase inúteis

com que disfarçava duras esperas silenciosas.

O telefone prometendo manter-se mudo,

como desde o início dos tempos.

Nenhum recado trazido pelo vento

transformando esperas em esperança.

Nenhum carinho inserido entre linhas

enfeitando minhas leituras, tão repetidas.

E os outros,

movimentando-se ao meu redor

como um borrão de ausências.

Foi estranho.

Como se, por um momento,

o mundo nada esperasse de mim,

e eu fosse alheio ao meu destino,

enquanto todas as cores se fundiam

numa alvura de papel por escrever.

Recordo-me de como pousei a caneta.

E saboreei o medo.

Setembro 2008