EQUILIBRIO
não importa que a vida passe;
que os anos passem;
sou a força vaga que não convém.
não importa que os anos façam monta;
que as bocas chorem, pretas e sujas,
que as mãos se estendam num apelo;
sou a força neutra que nada contém.
que passem as dores,
não importa.
não importa a gene univitelina,
os passos desordenados.
não importa as vozes roucas,
as cabeleiras loucas;
sou um passo a mais na multidão.
caminho no vazio sombrio,
nas horas mortas;
na calada da noite me mato
e me perco nos sonhos quiméricos,
nas malhas do 'pode ser'.
não importa as vozes da agonia,
as vozes do meu sonho
que não ouço.
não me importa a porta
que se fecha em arrogância;
nem o lixo que alimenta a mosca.
que importa à mosca o lixo
e ao lixo a mosca?
não importa as dores da sarjeta,
sou a lama que se acossa nela;
sou o lixo que alimenta a mosca
ou a mosca que alimenta o lixo.
não importa os pórticos, o parthenon,
não importa a glória,
da glória o luxo.
não importa a mão que trás miséria
ou a miséria que se vê na mão.
sou a sombra que se apaga no escuro.
que importa a sombra,
se a sombra me reflete o porte?
que importa os pórticos,
se o pórtico é o luxo;
que importa o lixo
se há o luxo,
ou o luxo se lixo?
que importa um gesto,
o gesto que não se conta?
que importa o centro,
se não há um centro?
e ao centro se não sou o centro,
ou a mim, se não a mim?
sou o centro que dá equilíbrio.
sou o equilíbrio que não se vê no centro.
e que importa um equilíbrio sem equilíbrio?
que passem os anos;
que se perca o equilíbrio que não se posta,
e os anos sem conta,
e as horas de menor amor.
que importa,
que passem,
que passe tudo,
até que se crie um gesto
para o equilíbrio do universo.