EQUILIBRIO

não importa que a vida passe;

que os anos passem;

sou a força vaga que não convém.

não importa que os anos façam monta;

que as bocas chorem, pretas e sujas,

que as mãos se estendam num apelo;

sou a força neutra que nada contém.

que passem as dores,

não importa.

não importa a gene univitelina,

os passos desordenados.

não importa as vozes roucas,

as cabeleiras loucas;

sou um passo a mais na multidão.

caminho no vazio sombrio,

nas horas mortas;

na calada da noite me mato

e me perco nos sonhos quiméricos,

nas malhas do 'pode ser'.

não importa as vozes da agonia,

as vozes do meu sonho

que não ouço.

não me importa a porta

que se fecha em arrogância;

nem o lixo que alimenta a mosca.

que importa à mosca o lixo

e ao lixo a mosca?

não importa as dores da sarjeta,

sou a lama que se acossa nela;

sou o lixo que alimenta a mosca

ou a mosca que alimenta o lixo.

não importa os pórticos, o parthenon,

não importa a glória,

da glória o luxo.

não importa a mão que trás miséria

ou a miséria que se vê na mão.

sou a sombra que se apaga no escuro.

que importa a sombra,

se a sombra me reflete o porte?

que importa os pórticos,

se o pórtico é o luxo;

que importa o lixo

se há o luxo,

ou o luxo se lixo?

que importa um gesto,

o gesto que não se conta?

que importa o centro,

se não há um centro?

e ao centro se não sou o centro,

ou a mim, se não a mim?

sou o centro que dá equilíbrio.

sou o equilíbrio que não se vê no centro.

e que importa um equilíbrio sem equilíbrio?

que passem os anos;

que se perca o equilíbrio que não se posta,

e os anos sem conta,

e as horas de menor amor.

que importa,

que passem,

que passe tudo,

até que se crie um gesto

para o equilíbrio do universo.

Wagner M Martins
Enviado por Wagner M Martins em 26/09/2008
Reeditado em 26/09/2008
Código do texto: T1197591
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