FALA O DIABO - IX
Estonteante ave de plumagem branca,
Incomensuravelmente bela, plena e livre.
Tuas penas alvas esfacelam-me irremediavelmente,
Tuas asas abertas arranham-me,
Despedaçando minha consciência e honradez.
Ah, soberbo pássaro!
O fulgor de teus olhos revelam teus pensamentos,
Belos, circunspectos e profundos.
Olhos indolentes e agressivos
Que açoitam-me diária e irreversivelmente!
Tu emanas eflúvios ao voar no nascente,
Deliciosa criatura alvéloa.
Encanto de todos os mortais,
Flexível, tentadora, inocente e ingênua,
Tua beleza ilumina, aquece, conforta.
Possuís algo de celeste que abomino e idolatro!
Tua alma branca e roxa mistura-se ao meu ser negro,
Transmutando meu pensamento n’algo indizível.
És tão esquiva, ligeira, fugitiva, impalpável!
Fascinas-me, alegras-me, aurora com figura palmípede!
E quando cantas... Oh! É inefável!
Estás acima de todos os demais mortais!
Há mistérios que desconheço no teu canto,
Pois diminui, inexplicavelmente, o peso
Da enorme cadeia arrastada por todos os que vivem.
Oh! Ornitóptero! Oh! Bela gaivota!
Há quanto tempo não ouço teu gorjeio nem vejo tuas asas!
Para onde fostes, majestosa criatura?
Acaso triunfastes sobre o dia?
Ou partistes para novas paragens, seduzida pela noite?
Responda-me agora! Eu lhe ordeno!