XV
Íamos os dois rolando as escadas
Com guarda-chuvas de camomila nos cabelos
A cama falava para dentro dos búzios
Voltavam rochedos
Para caramelizar os livros
Sentava-me no parapeito das cidades
Com puzzles de almofadas sobre as omoplatas
Tu decoravas as fendas dos armários
E eu resumia-te a dimensão dos olhos
Depois erguias as mãos
Como se pescasses sonhos nos candeeiros
Os romances postiços que atiçavas na minha boca
Compravam-se nas avenidas de açafrão
Mas eu queria acreditar
Enquanto afiava laranjas sobre as colchas
Cantava Invernos de cetim
Pendurada nos refrescos
Sopravas-me os ganchos sobre os azulejos
E os joelhos movediços desfilando nos dossiers
Essa loucura que me alagava os poros
Roubavas sílabas aos rádios
E depois fechavas a porta
Com a delicadeza de um deus
Esboçavas sonetos de plástico nas vértebras dos móveis
Eu levantava-me com os astros
Nos bolsos dos vestidos
Fingindo que tu tinhas um trapézio de açúcar
Devastando-te o verniz dos cadernos
Cláudia Borges
in Malmequeres os lábios molhados