XV

Íamos os dois rolando as escadas

Com guarda-chuvas de camomila nos cabelos

A cama falava para dentro dos búzios

Voltavam rochedos

Para caramelizar os livros

Sentava-me no parapeito das cidades

Com puzzles de almofadas sobre as omoplatas

Tu decoravas as fendas dos armários

E eu resumia-te a dimensão dos olhos

Depois erguias as mãos

Como se pescasses sonhos nos candeeiros

Os romances postiços que atiçavas na minha boca

Compravam-se nas avenidas de açafrão

Mas eu queria acreditar

Enquanto afiava laranjas sobre as colchas

Cantava Invernos de cetim

Pendurada nos refrescos

Sopravas-me os ganchos sobre os azulejos

E os joelhos movediços desfilando nos dossiers

Essa loucura que me alagava os poros

Roubavas sílabas aos rádios

E depois fechavas a porta

Com a delicadeza de um deus

Esboçavas sonetos de plástico nas vértebras dos móveis

Eu levantava-me com os astros

Nos bolsos dos vestidos

Fingindo que tu tinhas um trapézio de açúcar

Devastando-te o verniz dos cadernos

Cláudia Borges

in Malmequeres os lábios molhados

Cláudia Borges
Enviado por Cláudia Borges em 15/09/2008
Reeditado em 15/09/2008
Código do texto: T1179371