O ROSTO DO HOMEM
José António Gonçalves
O rosto do homem que amanhã me irá
perguntar por um espelho, um horizonte,
será o meu rosto, marcado pelas cicatrizes
das dúvidas, dos sofrimentos do mundo,
da pesquisa de uma estrada ali tão perto,
onde tudo se possa repetir indefinidamente,
como habitantes de um labirinto eterno.
Não passará do umbral, ficará por certo
entre as flores mais antigas, de matizes
obsoletas, sedentas, aguardando a fonte
onde saciará a sua sede, num mar profundo,
localizado no coração de um pulsar dormente,
motor de uma vã revolução, sem vitória, má
sina de um tempo invasor, de inimigo interno.
E é para ele que subimos, crentes, a montanha,
apostados e devotos no que possa lá estar,
abençoado pelas maravilhas das velhas águas,
bordão de subidas ainda maiores e mais seguras.
Ficamos então sentados, prisioneiros das loucuras
inenarráveis, protegidos por uma força estranha
com a capa ensanguentada por todas as mágoas.
Até que alguém nos venha buscar.
José António Gonçalves
(inédito.15.01.05)