Contraponto
Tristes olhos de crianças famélicas...
Aquele olhar manso das rezes:
Diamantes negros,
Pastejando sem pressa,
As narinas úmidas, pretinhas...
Narizes escorrendo misérias verdes,
Que as desnutre e consume,
Deitadas em calçadas imundas,
Cobertas de trapos desbotados...
Os pastos de esmeralda, os trieiros limpinhos,
O descanso sereno,
Sob as mangueiras copudas,
Você já viu como elas comem as mangas?
Esticam a língua imensa,
Volteiam e revolteiam a fruta na boca,
Até largarem o caroço branquicento pelo chão...
Pobres crianças revirando lixo,
Comendo restos, disputando xepas,
Esquálidos arremedos humanos,
Fadados a multiplicar a dor,
O crime, a miséria...
Os bezerrinhos trôpegos,
Que a mãe cuidadosa lambe,
Amamenta, guia e defende dos urubus,
Dos lobos guará e dos homens...
Os órfãos e abandonados,
A promíscua realidade
Que vende virgens magrinhas,
E acolhe fetos marginais e desesperançados,
Em barrigas infantis...
Olhos e dor em dois tempos:
Um olhar à memória doce,
Outro olhar ao presente infame
Dos fatos sem solução...