ABISMO
Uma só ceia em dois lugares
servida pelo e para um tolo.
Que em diferentes altares,
como se não houvesse nenhum dolo,
todo impudico e zangue,
degusta o trigo debulhado,
em farinha transformado.
E sorve o vinho tinto sangue
com lágrimas temperado.
Triste alma beduína,
nesse mundo tão perdida,
atua silenciosa e à surdina,
jurando do saber ser provida.
Mal sabe que em toda e qualquer esquina
pode encontrar outra tanto ou mais sabida
a desvendar muito mais do que imagina
essa alma destemida.
E o banquete, um dia divino,
de tão levedado,
num surto repentino,
volta a ser marchetado
em simples papelotes.
Pelos rabiscos do destino
que não passa de um Iscariotes,
segue o ágape da tolice,
desse espírito peregrino,
em céus e rios de lirismo...
Como não vê que a canalhice
o põe a cruzar um abismo
num fio de teia franzino?