SENTENÇA
Nenhum jurado poderá afirmar convicto:
— Inteiramente absolvido ou inteiramente culpado!
O ser humano será
[não só pela graça de humano ele ser]
sempre complexo, pelo ser humano que nele há de estar.
Ele, humanamente descuidado,
sente vontade de matar a quem mais ama:
o pai que sempre o relegou a segundo plano,
o filho que sempre o tratou de modo tão estúpido,
a mãe que o tratou, irresponsavelmente, por proteção,
a filha que saiu de casa, chamando-o: — Bom filho da puta!
Ele, humanamente consciente,
sente impulsos incontroláveis de não querer ver mais vivo
[o próximo]
o amigo com quem discutiu sobre religião, política ou futebol,
o companheiro que afanou a idéia do seu melhor projeto
ou o empregado que o roubou quase religiosamente.
Ele, irresponsavelmente até,
sente mal-estares por não querer separar-se das mulheres envolvidas
[e purga só, no dia-a-dia que conquista]
por um apático dorme e acorda ou por um inexpressivo deita e fode
com aquela que controla o seu passo a passo, qual escrava
do espelho que o viu cheio de ciúmes do mundo inteiro
que fez troça dele por dela também não ser o único
a humilha-la por não agrada-la numa só noite
quando fala, clara, tantas inutilidades.
Senhores jurados,
nenhum ser humano é só bom ou só mau,
apesar da luxúria, da preguiça, da avareza, da gula, da soberba, da inveja e da ira:
tão femininas e já em pecado; cada caso é um caso,
e ninguém deverá ser considerado
inteiramente absolvido ou inteiramente culpado.
Agradecido, senhores jurados.