[Um Norte para teus Sonhos]
Fico pasmo sempre que me indago
sobre a possibilidade de que tu sejas real,
uma pessoa maciça de se pegar,
um ser vigente em três dimensões!
Se passasses do outro lado da rua,
ou, mais chocante ainda,
se viesses na minha direção pela mesma calçada,
será que ainda assim eu não seria convencido de tua existência?
É isto que te peço:
convença-me de tua existência,
sim, convença a mim que não estou certo
nem da minha própria existência!
Mostra-me a tua face viva, quente,
olha-me firmemente com esses teus olhos inquiridores,
mostra-me que és não apenas um ser que sonha e escreve;
ou me sonha e me escreve;
ou apenas me sonha, e escreve para um desconhecido.
Sabes-me matéria impossível ao toque de tuas mãos,
mas ainda assim, insistes em me sonhar...
Bata com o nó dos dedos na própria cabeça,
sinta como a vida é dura, massivamente dura.
Respira fundo, olha o azul,
sinta como o ar é pesado,
como o sol é quente,
como as flores têm perfume,
como a rua tem ruídos estranhos,
como passa, furtivo, pelo campo dos teus olhos
um qualquer cão sem rumo certo —
qualquer rua é a rua dele — invejo-o!
Observa como aquele pássaro voa
rápido sobre as casas onde se sonham
sonhos fantásticos como os teus;
torna a olhar o azul, o profundo azul:
veja como voam lá nas alturas os urubus,
sim, os urubus que tanto te enojam,
mas que a mim, tanto me fascinam
pela sua capacidade de voar longe,
de escapar levando os meus sonhos.
Sinta tudo isto no mais fundo do teu peito!
Depois, sim, só depois, pense em mim,
e conclua comigo: tu apenas me sonhaste,
nunca me viveste em teu mundo,
nunca estive sobre as pedras de teus caminhos,
nunca entrei, nem entrarei por aquela porta,
sou um sonho a mais que aquele pássaro fugaz
vai levar para longe, bem longe de ti!
É... Pensando bem, do que mais careces
é de um norte firme para os teus sonhos!
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[Penas do Desterro, 23 de agosto de 2008]