OS FIOS DO BIGODE

hoje,

impossível será sairmos de casa.

Logo hoje,

quando estávamos querendo assistir a Lucinda

botando pra quebrar com a rotina,

um pôr-de-sol-no-céu teve a decência de nos avisar

que só morreria nos tendo como espectadores

[ainda bem! Não pudemos ir]

A geladeira está vazia,

estão atrasados os salários,

a verba para a gasolina, bloqueada!

está impossível atender aos amigos aflitos

[pena!]

o presente do dia do mês, quando faremos aniversário

[de união]

está temporariamente suspenso;

a cartão de crédito foi cancelado por falta de pagamento,

[mínimo]

a companhia de luz, de água e de telefone, enviou-nos técnicos

[simpaticíssimos]

para nos alertar que o dia do amor-amor está com os dias contados.

Hoje,

será impossível sairmos de casa.

Logo hoje,

quando estávamos querendo perder calorias

pelos calçadões, resolvemos não mais sair,

por mais que o pôr-de-sol-no-céu, sem advertência alguma,

resolvesse despencar no mar, cometendo suicídio.

[menos mal]

não poderemos comprar mais jornais

para lermos as últimas notícias;

perdemos as Lucindas

botando para foder com a rotina!

A mesa não está posta,

e os salários ainda não chegaram.

Comeremos nossos olhos, como entrada

[compenetrados]

um beijo de dez minutos, como prato principal

[com o mesmo garfo]

a doçura das mãos, juntas, felizes pela sobremesa.

Hoje,

sempre com cara de malvado,

o locador nos procurou

[exigindo]

os dois meses de aluguel atrasado.

Eu, o cabeça-do-casal,

falei-lhe sem arrependimentos:

Lucinda viajou,

o sol não se matou,

há amor sob o mesmo teto,

[decerto]

não será um atraso nos salários

que comprometerá os fios do meu bigode.