MODERNISMOS IMPERFEITOS

não me venha de lá você,

com essa frivolidade tão natural,

a dizer-me que trair é moderno,

normal, é só um lapso da fidelidade.

Olhar para um outro e dizer: — Tesão!,

ou para uma outra então exclamar: — Gostosa!

Coisa mais fora de moda,

achar tão comum, tão normal,

ter perversões reais, até se excitar

com a imaginação do repente,

só por causa de alguns músculos bem delineados

ou por causa de uma bunda mal comportada.

Aí, tudo é só questão de tara!

Alguma coisa, sei,

deve andar errada com o mundo

ou então, os homens já vieram com defeito:

graças a Deus, viemos incompletos e imperfeitos!

Será que adianta consertar algo que não tem mais jeito?

Alguma coisa anda errada em você:

no seu companheiro ou na sua companheira.

Nada contra fantasias, sonhos com astros de cinema ou de novela,

contra a ereção involuntária, nem contra o arrepio na hora incerta;

mas se você está se sentindo por inteiro,

com uma companheira ou com um companheiro,

em absoluto estado de graça,

[abençoado mesmo]

por esse amor que não cabe mais na cama,

que sai às ruas para gritar com a força das camisetas:

para que adulterá-lo?

Por mais que pareça muito

[sei]

qualquer amor é muito pouco!

E por mais pouco que pareça,

torna-se muito simplória qualquer justificativa

[novos argumentos]

de tesão para quem quer come-la como uma puta,

de gostosa para quem quer come-lo como um garanhão.

Será que toda a ternura do amor está ausente?

Chega de fiar mais conversa,

de trair só por trair,

e encare, amigo ou amiga, com absoluta sobriedade

sua incapacidade total de amar em cumplicidade.