VESTIDOS NUS
Companheira da primeira nudez,
[que me vestiu tão pouco]
gastaste comigo a fadiga
da noite, ainda, enquanto fingia-se de noite
quando tão pouco era o dia;
[intuitivamente]
passaste as mãos pelas cobertas
até cobrir, em definitivo,
a nudez fria dos homens magros
por tanta luminosidade em escassez.
Companheira da segunda nudez,
[que me vestiu completo]
gastaste comigo a madrugada
na penumbra, entre lençóis, o meio termo
dos dias não mais tão dias e de noites não mais tão noites;
[intransigente]
deste um basta ao recato, ao deitar
até assistirmos um só strip-tease de estrelas
louquinhas para amar no céu, em êxtase,
com tamanho encantamento
das taradas cadentes.
Companheira de terceira nudez,
[que me vestiu pelo meio]
gastaste comigo o pensamento
dos autores tão comuns, os medíocres poemas
circunstanciais feitos quando te fiz nua;
[desavergonhada]
por inteira
quando não mais temias rostos vermelhos,
ruídos de água em pingo e ducha morna
que em tantos banhos aqueceram-nos
quando molhada acordavas-me
pelas pontas dos cabelos.
Companheira da quarta nudez,
[que me vestiu de repleto]
gastaste comigo a excitação
da doce ilusão das maioridades,
a vulgaridade das modas desusadas
quando a nudez não cobria
[o nu]
o próximo,
os famintos, os desamados, os descuidados,
os deslembrados dos corpos mal feitos.
Nenhuma nudez é palpável!
Companheira de nudez infinita,
[que nada me vestiu]
assim como vieste ao mundo,
gastaste meus abraços, meus calores de peito,
minha rouquidão habitual, meu cheiro tão igual ao cheiro teu
e toda a minha completa solidão! .
Guarde em ti minha parte
[vestida]
de manhãs, de tardes, de noites, de madrugadas,
de egoísmo
[por não ter aprendido]
a conviver
em dias não mais tão dias e em noites não mais tão noites,
[esta união]
vestida com a saudade
dos trajes dormidos, requentados.