amei-te

amei-te

dizia ele

sentado sobre a morte a tracejado dela

e o silêncio desceu límpido e feroz

na combustão dos corpos

a terra abriu-se pontuando cada mancha de sangue

os espelhos cercavam o ar

que se deixava arrefecer num instrumental de dor

ela numa anestesia que lhe enfeitiçava o rosto

deixava-se levar na sua própria música

ligeira

com aroma de pérolas molhadas

os nomes cortavam-se

e aqueles lábios anónimos queriam-se

num esquecimento rápido

amei-te

quando a roupa se ordenava

na coesão dos dias

e sabíamos transformar o mundo

no tacto da pele

agora

emerges onde a minha voz não te alcança

e pálida segues o rasto suado

as nossas bocas separam-se

tingidas da nossa velha loucura

amei-te

e éramos um colar cinzento

no fluir do medo

abraçados na música dos órgãos

repartindo as sílabas nos pulmões dos moinhos

retoca esses longos olhos

enquanto eu me esqueço dos leques rodopiantes

que agitam os nossos beijos

e dos trapézios graves

que desfaziam as almofadas

entendo apenas a seiva dos relógios

que constrói salões de mel no meu peito

Cláudia Borges
Enviado por Cláudia Borges em 11/08/2008
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