Pedestre Matutino
A manhã é seca;
áspera como seu toque,
cinza como seu olhar de desprezo.
Corta a epiderme um vento frio e veloz.
Parece navalhas suspensas no ar,
rasgando minha face desprotegida.
Meu coração já não dói por esse amor –
graças a Deus (?).
O coração que é mero habitat de carnes e infartos.
Este coração que sangra a cada palpitação,
e a cada dia sem o sol.
Hoje procuro uma luz mentirosa.
Hoje gostaria de ter dormido até amanhã,
mas há trens que cortam os trilhos sem pagar pedágio.
Estou preso e condenado a não encontrar sentido,
ou a falsa e confortável felicidade
prometida por livros vendáveis.
Ora, manhã fria e maldita,
que rio fedorento e nebuloso me trazes!
Ó, fábricas que “fumaceiam” e apitam ensurdecendo nossos sonhos;
calando pardais famintos.
Preciso sair desse momento.
Ainda é manhã
e será por algumas horas.
Por isso, tenho que sair desse momento.
A manhã é seca,
eu estou seco e com fome.
Me misturo e me pareço com os demais.
Agora, só me resta andar na faixa de pedestres.