[Estranhamento: Simulacros]

É simples, bem simples, a nossa dualidade:

tu não te podes ver com os meus olhos,

eu não me posso ver com os teus olhos!

Tanto faz que olhemos aquela foto,

ou que nos miremos num espelho —

não estamos ali: somos apenas simulacros...

Tu te olhas e estranhas o teu rosto,

mas estranhas este que eu nunca vi,

pois a tua foto te mente mais que a mim;

eu me olho e estranho o meu rosto,

mas estranho este que tu nunca viste,

pois a minha foto me mente mais que a ti.

Aos meus olhos, és a infatigável replicação de uma imagem,

mas aos teus olhos, tu te desconheces sempre,

pois jamais és alguma dentre aquelas que eu vejo.

Saiba: há um terceiro olhar que nunca nos trai,

um olhar que às vezes chora por nós dois —

este é o olhar do Terceiro da [nossa] relação!

[Palavras soltas, voando ao léu, feito papagaio de linha rebentada! Espanto-me com esta minha capacidade de não dizer nada! Na verdade, nem sei o que eu disse... Palavrar é uma arte: eu sou ignorante nesta arte!]

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[Penas do Desterro, 27 de julho de 2008]