DIVINA CONSTRUÇÃO

apague a luz

acenda um coração

deixe um Deus falar

com dedos no interruptor

do abajur na silhueta da mão

apague a voz

cante só uma canção

deixe um Deus soprar

com arfares de respiração

recriando corpo, amor de corpo

apague o cobertor

cubra os verbos frios

deixe um Deus aquecer

com cara de mormaço antigo

toda a claridade deitada na cama

apague a lua

e namore em solidão

deixe um Deus gerar

na silhueta gorda das lâmpadas

os desejos e os pecados sem mais luz

apague o barro

veja a primeira mulher

deixe Deus de apendicite

serpente aflita, vergonhoso Adão

trapos das macieiras cobrindo a nudez

apague a vela

com saliva do rezar

deixe um Deus em liberdade

e as luzes acesas da maior criação

sob o respiro suado construindo amores.