MORTE PARA QUEM TEM SORTE
Eu,
fantasiada com a luz da aurora,
acendi o meu guarda-roupa
com meia-luz nas costas
e só, então percebi
o quanto cresci.
Sem mais meninice,
fiz uma fogueira das roupas cansadas
joguei querosene pelos trapos gastos
queimei coração, ensaio de balão
que subiu e quer descer
até amadurecer.
Eu,
acesa de sonhos e de ilusões,
desnamorei astros da tevê
apaguei a meia-lua azul
e, só, então acordei
por tanto dormir.
Sem mais meninice,
fiz da sensatez, memória dos diários,
gramática ruim do português amado
diária emoção, risco de mulher
que diz e quase cala
quando escreve.
Eu,
à-toa, ao alcance da janela,
desolhei o rumo da vida
calei a boca vermelha
do sol, do só imundo
sem caixa postal.
Sem mais meninice,
guardada em caras de fotos antigas
rasguei o rosto dos antepassados
que oscilam no peitoril suicida
do álbum que cai da janela
suspirando infância.