O SER E A TRAIÇÃO
Brincando de ser quem sou
Logo vem a pergunta:
Mas não posso ser o que não sou?
Vem também a exclamação:
Mas quem me dera ser outro ser!
E vem a afirmação:
Na verdade sou o que sou.
E vem a conclusão:
Eu sou alguém!
E vem a sentença:
Por isso posso tudo.
Mas também a condenação:
Não mereço perdão!
A vida segue sem dor.
Amanhece ao acaso por certo.
Vem a luz do sol.
Brilha a manhã ofuscada.
Anunciando um dia conturbado.
Porque teria de seguir meu ser.
Através de longo parecer.
Palpitando uma vida.
Versejando um renascimento.
Percebendo mudanças.
Assim vou caminhando...
Seguindo o meu ser.
Mas, como ser sem viver?
Isso não pode acontecer.
Temos de ter brilho.
Temos de andar nos trilhos.
Perceber as coisas passando.
Caminhar em direção da vida.
Não arredar pé da calçada.
Perceber a mulher amada!
Agasalhar os filhos...
Abraçá-los antes do anoitecer.
Para que o sono seja brando...
E assim dormir amando!
Extrato periférico do ser.
Aquele homem sem dor.
Que passa como vento.
Deixando de lado os seus.
Perfilhando uma encruzilhada.
Numa paixão desenfreada.
Nos braços da sirigaita.
Sem alma e sem pena;
Um ser sem rota.
Manuseado por uma mundana.
Em cima de uma cama.
Com cheiro de mofo!
Esse ser não seremos nós!
Homens do ser.
Que desejam amanhecer tranqüilos.
Sobre um leito limpo.
Sobre um sono leve e de paz.
Com a alma livre dos lodos.
Com o corpo livre das seqüelas.
E das dores da alma.
Com a esperança de ser melhor.
Com um brilho no olhar.
Com a face livre da dor.
E com a certeza do amor.
O melhor é não ser.
Isto é:
Ser assim – inconseqüente.
Não ser o próprio ser avesso.
Aquele ser de si mesmo.
Que passou a ser dos outros.
Das afrontas aos ideais.
Das mentiras do cotidiano.
Da correria da verdade.
Da hipocrisia da vida.
É hora de acordar...
De ver a sua realidade.
Abraçar os seus.
Mas, somente aqueles de verdade!
Aqueles que te amam...
Sem nenhum subterfúgio...
Sem nenhuma inverdade.
Com pureza e lealdade!