VELHAS IMAGENS
a prisão é o ombro aconchegante
recebendo o peso da cabeça voluntariamente
a palavra tranquilizadora dos ocasos
a luz da vela iluminando os sótãos
revelando a nitidez dos contornos das sombras
e descodificando os títulos dos livros empoeirados
a liberdade corre pelos vales
bate asas nas tardes de caça nas penas
suadas das codornizes condenadas à morte
e espelha-se nos lagos das estampas escondidas
por detrás dos armários vazios das casas
disfarçando a solidão que as atormenta
o prisioneiro acalenta acordar na manhã seguinte
com as mãos agitando o ar e o corpo vertical
vendo-se a passear na ausência do silêncio da cela
e sonha deitar-se na areia de uma praia distante
escutando o mar acariciando a dureza do calhau
pintando o horizonte com a cor dos olhos da amada
no seu imaginário cinzento as velhas imagens
reinventam em torvelinho desconhecidas paisagens
sem se lembrar de mais nada
José António Gonçalves
(inédito.17/10/99)