Variações em Torno do Tempo
Variações em Torno do Tempo
Alguma coisa ressuscita,
trancada na janela do acontecer,
vestida de partidas.
Uma cicatriz.
Foram tantas as facas que me penetraram,
rasgaram meu ventre,
abriram-me o peito e vararam meus olhos.
Meu rosto ainda espanta,
sob a luz de um momento, porque
há uma escada que te sobe e existe um rosto na janela.
Vinte anos não se desintegram num abraço, e os olhos dos que te
olham se ventilam com o suor que nos cobre o corpo.
Há uma palidez no rosto.
Repara que o nosso andar não acorda ninguém.
Mastigamos nossos corpos,
mas não nos perdemos em duração.
Trinta anos também não se perdem.
Os mortos te olham da cova,
porque sete palmos são transparentes.
E volto para não existir,
porque o existir vem da certeza de uma janela aberta.
Chega e te busca em mim,
porque é passageiro o acorde sonante, e
a melodia nos informa da existência de uma sombra,
assassina e delatora.
Quarenta anos.
Quarenta se desdobra em passados, simplesmente.
Homens, mulheres, crianças, todos se vestem de retornos,
mas existe um olhar da eternidade, e
quarenta são os gritos de querer ter vinte.
O corpo verga sobre os degraus, com a ajuda do velho corrimão.
Não há mais nada a ferir,
porque o ferir agora é íntimo, e
a eternidade descansa no amargo de ser antiguidade.
Há um extremo que se confunde com a loucura, e
um relógio que se atrasa com o estar feliz.
Cinqüenta anos.
Espero-te na nascente dos degraus.
Lá em cima te vejo a sombra,
mas existe uma imobilidade, porque
nossos corpos já vestem fraquezas, e
o limite é abraçar nossas sombras.