EU E EU MESMA
Onde é fim,
onde é começo de mim,
onde é fim,
onde é o começo do meu fim,
se meu começo ora sinto em dor no peito,
ora em corpo não denunciado,
onde terminam minhas mãos e começam as
tuas?
Onde o fim do mundo se espreguiça em nada?
E se agora só sou este sentimento intenso
e sem paradeiro,
esta angústia de asas desistidas,
arrasto-me em vontades não cumpridas,
em lamentos de vento nas tempestades.
E passo do torpor à letárgica mudez
e me desterro nos cantos
aconchegada nos meus medos e indecisões.
Esquivo-me de cabeça baixa ,
mãos junto ao corpo,
curvada pelo peso de tantas batalhas perdidas
contra um inimigo invisível.
Ele ronda as minhas noites e dias,
faz-me pesados os passos,
e me diz que é preciso fugir sempre !
A imagem no espelho serei eu mesma?
Ou será aquela que me olha e eu não
reconheço?
As minhas mãos hoje refletidas
pareciam estranhamente reais,
enquanto eu nem conseguia ver meus olhos
lá dentro, pedindo socorro...
Aquela que me olhava e me via , deixei estar,
eu distraída em olhar minhas mãos,
qual seres de vida prórpria,
cansei daqueles olhos suplicantes dela (a outra)...
prefiro não encarar seus olhos a interrogar,
seus olhos angustiados querendo respostas,
respostas que eu não posso dar a ela,
a mulher que me olha de dentro do espelho...
pois já não dou conta de carregar
com o que sou deste lado.
E às vezes sou somente uma boca
a pronunciar teu nome, como uma súplica,
uma mulher-boca repetindo teu nome,
repetindo...
e você a responder em ziguezagues,
você também detesta seus olhos no
espelho?
Outras vezes sou só minha pele
acariciada por águas mornas
em deliciosa e reconfortante trégua.
Um simples verso já não é tempo demais?
você pergunta ...
Estamos engasgados de tanto querer sorver com pressa,
angustiados em dar conta de tanta vida
despencando sobre nossas fragilidades
de quase mortos.
Muitas vezes sou leveza
em raros instantes de contemplação ,
outras ainda, sou momentâneos sorrisos
atraída por uma visão doce ,
sou também calores de sensualidade
inquietante entre as pernas,
sou ouvidos, sou meus olhos que lêem o
mundo
com um alfabeto particular e ilógico,
sou esta voz que num repente
se põe a revelar melodias, eu canto?
Tenho mesmo vontade é de gritar
e machucar esta minha calma confortável
entre os lençóis limpos.
Limpos demais...
E despencar direto deste falso paraíso
pra um inferno sem retoques,
revolver-me na lama de onde sairei
pronta para um banho purificador.
Águas cristalinas, simplesmente água
que não macule meu cheiro de bicho,
o cheiro da minha verdadeira natureza
sem os embustes de perfumadas essências.
Sou fonte e sou receptáculo e no entanto
não sei o sal que me habita nem quais
são as águas que movem os meus moinhos,
pois nas vagas e imprecisas manobras
desta engrenagem, estou a todo momento
nascendo e morrendo no mesmo segundo,
estou a perecer e ressurgir em fogo lento
do início ao fim do que nem começa e nem
se acaba,
que nem se ergue, nem se dobra,
apenas resiste
existe
insiste...
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Em 04 de junho de 2008.