O muro
Era um fascínio do tamanho do inatingível
aquele muro imenso de minha infância,
além do qual o adiante me assustava e atraía
por seu desconhecido.
Fosse hoje teria preferido não conhecer o que adiante dele havia.
Ou não. Talvez, se conhecesse o que sei hoje,
teria mudado rumos e prumos da história
dos acontecimentos, dos príncipes, dos papas,
da realeza,
com certeza, Seguramente.
Pensando assim, parece fácil e simples desfazer
o que está feito, sacramentado nas rodas do destino
nem sempre fiel, nem sempre cruel, mas anotado
para acontecer, implacavelmente.
Inapelavelmente.
O muro de minha infância era alto, mágico, misterioso
(ou eu, pequeno, assustado, temeroso).
Era diferente de tudo que cercava o velho quintal
cheio de folhas, frutas que desconhecia,
galinhas, pintos, acho que uma cotia,
uma vala escura e perigosa que assustava as noites com seus coaxares ininteligíveis para mim.
As árvores, densas, do mesmo modo que me davam
sombras, de dia, aceitáveis,
enchiam com as mesmas sombras as noites,
variáveis como seus próprios movimentos,
de acordo com os caminhos dos ventos.
Um dia (batia eu o pé no chão úmido de folhagem)
salto este muro tão ousado, forte, prepotente,
para mostrar não sei para quem
(uma pessoa, uma miragem)
que por mais rude que seja,
não mais que eu é inteligente.
Devia haver algo lá fora que exercesse
essa atração . Ruídos de carros, gente passando,
tudo novo, tudo a descobrir e eu me via cerceado.
Justamente por aquele muro imenso,
que não me permitia saltar, mudar de lado.
Havia, sim, algo que batia forte em mim,
que me empurrava para um futuro
(que não é o meu presente);
algo que por mais que tente,
ainda hoje não alcanço.
Nem mesmo agora, além do muro,
portões abertos, vendo passar o mundo
sem mistério, sem fascínio, sem magia,
por minha janela,
aqui sentado
numa velha cadeira de balanço.