O Cortiço das Fadas

O Cortiço das fadas

É hoje um casarão assobradado

Sem tinta nas paredes

Poucos vidros nas janelas

Nada mais há ao seu lado

...Singular monumento à vida

quase morto

um prédio torto

mas ainda em pé !

Nos Campos Elíseos não havia outro igual

Nem neste tempo, nem do de outrora

Principalmente quando ia dando a hora

Das luzes acender.

Velas, lamparinas, lampiões e candeeiros

Depois das seis brilhavam Dalvas mil

Estrelas que brilharam por muitos janeiros

Do escuro da noite pós anil

...Até o celeste da manhã

já raiando em sol alto, quente, forte

Viril.

Risadas, choros e o estouro da espumante

Faziam-se sonoplastia constante...

Ora a trilha sonora era vienense

Com valsas tocadas ao violino

Ora um sambinha fluminense

Chorando ao cavaco dum menino

De unhas longas

Cavanhaque ralo

Que bebericava um conhaque seco

Muitas vezes do próprio gargalo

Atrás das cortinas

Que separava a coxia empoeirada

Das perfumadas meninas

Servidoras da corte e da burguesia

Com suave maestria

Semelhantes ao "Moulin Rouge"

Do Champs Elisee original.

Hoje do velho bordel ninguém mais lembra o nome

Nem das doces raparigas de plantão

Foram-se com o tempo nem sequer para memória

Mas ainda existe o casarão

Que em minutos deixará a história...

Implodido em funesta explosão.

Fechado nos anos vinte

Virou moradia da plebe operária

Que desde o ano seguinte

Recebeu de forma solidária

Todos que não tinham onde

Esticar seus suados esqueletos

Tornou-se um cortiço simpático

Onde treze famílias viviam

Sob o teto então pragmático

Em que quase quarenta sentiam

O odor aromático

De porpetas, bracholas e calzones,

Tabules, kibes e qualhadas,

Joelhos, bistecas e chucrutes...

Mas só um aroma comum a todos é

As seis da manhã

Quando se coava o café.

Libaneses, alemães, brasileiros e italianos

Todos viviam sob o teto comum do ex-bordel

Tratavam-se como família única

Sucumbindo no amor à torre de babel.

Tempos modernos estavam por vir

Crises e guerra viriam juntamente

Já nem podia a criança sorrir

Pois não eram mais gente

Chamadas gente.

Mais uma vez sofrera o casarão

De uma derrota contra a alegria

Foi fechado com ódio por um comissário viril

Que no alto de seu semblante hostil

Cria resolver problemas patrióticos

Desdenhando um povo carente

Tirando-lhe o teto

Que mesmo indecente

Era seu teto

Seu ninho de afeto

...O contrário daquilo tudo, chamado guerra.

Fechado ficou até hoje

Solitário reduto de sombras

Cheio de memória vã

Que ninguém mais se recorda

Dinamites, TNT, e engenheiros por todo lado

É o cenário do velho solar

Acabar com a alma humana do prédio

É o que mais vai pode acabar ?

Mas, ainda hoje, se fechares os olhos e abrires os ouvidos

Poderás ouvir desde sussurros e gemidos oriundos da janela central

Onde Madame Lulu seduzia sem dó

Um tal

De Comandante

Marcondes Amaral.

Poderás qualquer um ouvir certamente

Zezinho chorando de dor de dente

Janete a sorrir depois da champanhe

O estalar da lenha quase brasa do fogão de dona Isaltina

O latido de tantos Totós

Galanteios de um Comissário qualquer

O soluço choroso de uma tal Juliete à espera de Antônio

Ou o grito de gol dum outro Antônio.

Quando a vida transcende a vida

Se transforma em sonho e ilusão

Deixa marcas no concreto e nas vigas

E ruídos que sempre vem do alçapão

...Lá tem vida guardada para sempre

que há de sepultar-se em breve

Quando o pó e sua nuvem anunciarem

O estrondo vil da explosão...

...

...E nunca mais ouvir-se-á um riso

Um gemido

Um gracejo

Nunca mais sentir-se-á um cheiro de vida

Nem tampouco ver-se-á qualquer coisa

Onde viveu e morrerá

...O belo Casarão.

Rodrigo Augusto Fiedler
Enviado por Rodrigo Augusto Fiedler em 30/06/2008
Código do texto: T1057790