Ingratos Solilóquios ou O Causador de Lágrimas
(Do velho ingrato que se cansa do definhar de sua esposa)
Vejo teus olhos e desejo ver-te morta
Não mereces sofrimento – nem eu o agüento
Diz-me, então, por que a demora?
Por que ficar e ser um lúgubre tormento?
Não vês que o que fazes é ser incômoda?
Tomas horas de meus dias, minha alegria
Intenção, fatalidade... Pouco importa
Quero que finde d’uma vez toda a agonia
E as lembranças e as lembranças não alteram
O vil desejo que alimento em minha mente
Quero o seu fim, o seu sangue, sua alma
Para depois só me lembrar de como eram
Meus anseios de ao teu lado eternamente
Repousar em doce e infinda calma
Mas, agora, estragaste este desejo
Puseste em lugar impaciência, fúria
Sentimentos carregados de penúria
Sentimentos transbordantes em desprezo
A quebra do síndeto que entre nós havia
Libera amor em negativa entalpia
De modo que hoje, por deveras escasso
Não o acho, não o encontro em um espaço
Não é que não exista: está guardado
Num daqueles cantos inexistentes
Reminiscências de um amor famigerado
Que existia em nossos corações, quando inocentes
Chego em casa, o chão todo ensangüentado
Qual o motivo? Qual a razão? Eu não entendo
Haverá finalmente o dia chegado?
Ou será simples ilusão, só de momento?
Vou procurar-te e estás viva
VIVA AINDA?
Meu Deus! Meu Deus! Por que não a manda logo embora?
Só o que peço é paz em minha vida
Só o que quero é ser feliz como era outrora
Vou procurar a razão de tanto sangue
Que em mim não causara dor: comedida alegria
Quero o fim de vez desta porfia
Procurarei por algo que o estanque
Maldito sangue! Quero saber a sua origem
De onde vem?Por que iludir-me de tal forma?
Eu, vendo minhas dores na fuligem
Tu, escarnecendo de minha história
Qual a minha surpresa quando vejo
A fonte dessa rubra substância
Não, não é o teu corpo, como almejo
Não é o fim de sua extensa trajetória
Olho a parede e encontro pendurado
O quadro de um Jesus esbranquecido
Dele o sangue cai! Dele é gerado!
Mas qual é a razão? Qual o motivo?
Deveria ter sido menos ingrato
E destruir somente meu egoísmo