Cenas

O que dizer do Homem só e Incomunicável?

Condenado perpétuo da Tirania.

Homem descartável,

cujo silêncio virou mania.

Incomunicável como preso em Guantânamo.

Isolado como o torturador inumano

que assombra o Frade Dominicano.

Falo com o vazio e nele esvazio

as conversas que tento

com os Demônios do pensamento.

O que dizer desse meu jeito?

Das trancas no peito,

do sorriso inflado de rejeito

e da só vontade de algum leito?

Que um Anjo Torto, Carlos, proclame:

libertou-se de tudo,

está cego, surdo e mudo!

Mas o Anjo não chega à Serra da Canastra.

Tenho que suportar a sorte madastra,

que me cala até o sussurro de que já basta.

Sinto o sólido virar pasta

e a vida, um nó que não se desata.

Nó Górdio,

cadinho de ódio

que escorre do caldeirão,

onde eu não deveria ter posto a mão.

Solidão da Incomunicabilidade:

livrar-me do assalto da publicidade,

do falso tempo da cidade

e do riso sem vontade.

Livrar-me do Contrato,

dos favores e de ser grato.

Mas ainda que não queira

o Mundo puxa-me para sua beira.

E de tal maneira

que não escapo dessa peneira.

O ouvido mouco é pouco.

Frágil barreira.

Palavras violam a quase caveira:

o "Caveirão" espalha a metralha

na gente pobre, favelada e (dizem) canalha.

Que se não morre, só atrapalha.

Incerto alvo no cume da muralha.

Gente Parda e Preta,

sempre nalguma "treta"

e que (dizem) merece morrer na sargeta.

Maldição do alvo Hitler,

que de lépido estafeta

tornou-se o "Rei da Cocada Preta".

Em tudo se atira,

em nada se mira

e só vive quem se vira.

Coisa de Maluco que só pira,

igual ao filho de qualquer Jandira.

Aquela que engole a ira

e segue. Ao menos enquanto respira.

Que nada mais aspira, exceto o Fogo da Divina Pira

que há de queimar o mano "traíra".

Cenas de certa Jandira Mulata

que Portinari não retrata.

Que tem fé no Zodíaco,

medo da tara do maníaco

e uma bala no osso ilíaco.

O Homem sozinho

ouve as cenas.

Só e apenas.