É DO POEMA QUE NASCE A CALIGRAFIA
José António Gonçalves
É do poema que nasce a caligrafia.
No teu rosto, desenho-a. Vejo-a dançar
ao som das palavras, do sentido dos gestos.
Deslumbrado, gasto todas as tintas, os pincéis,
a lágrima que encontro nos cantos dos teus
olhos. Em fundo, nos azuis, entre os vermelhos,
cristalizo-te, como uma ave suspensa nos céus.
Falo-te com o corpo todo. Faço-te confissões,
digo-te tudo o que poderás querer ouvir. Alego
sofrimentos e estradas de solidão e de dádivas
singulares, de aprisionamentos ao ar puro
que te respiro em segredo na alma. É a loucura
sem remissão que trago para a mesa. A caligrafia
que uso, como emissária, para cobrir-te de ternura.
Tão longe ficam os outros entendimentos, castelos
de defesa frágil, com as suas terras de lavoura demorada;
puxo a caixa de areia e lá esboço outros destinos, as nuvens
procuram-me, trazendo consigo a sua capa de chuva. Perene,
a mensagem desfaz-se com o movimento, breve, dos teus passos
e deito-me, então, por sobre o pergaminho, onde, lento, registo
o som do amor, só para asseverar-te como és o teor destes traços.
José António Gonçalves - JAG
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