É DO POEMA QUE NASCE A CALIGRAFIA

José António Gonçalves

É do poema que nasce a caligrafia.

No teu rosto, desenho-a. Vejo-a dançar

ao som das palavras, do sentido dos gestos.

Deslumbrado, gasto todas as tintas, os pincéis,

a lágrima que encontro nos cantos dos teus

olhos. Em fundo, nos azuis, entre os vermelhos,

cristalizo-te, como uma ave suspensa nos céus.

Falo-te com o corpo todo. Faço-te confissões,

digo-te tudo o que poderás querer ouvir. Alego

sofrimentos e estradas de solidão e de dádivas

singulares, de aprisionamentos ao ar puro

que te respiro em segredo na alma. É a loucura

sem remissão que trago para a mesa. A caligrafia

que uso, como emissária, para cobrir-te de ternura.

Tão longe ficam os outros entendimentos, castelos

de defesa frágil, com as suas terras de lavoura demorada;

puxo a caixa de areia e lá esboço outros destinos, as nuvens

procuram-me, trazendo consigo a sua capa de chuva. Perene,

a mensagem desfaz-se com o movimento, breve, dos teus passos

e deito-me, então, por sobre o pergaminho, onde, lento, registo

o som do amor, só para asseverar-te como és o teor destes traços.

José António Gonçalves - JAG

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JAG
Enviado por JAG em 07/06/2008
Código do texto: T1024363