Quando o frio de junho chega


Quando o frio de junho chega de repente
embora há muito tenha se anunciado
estremecendo meu corpo com seu gelado abraço
eu, ainda quente pela lembrança do verão,
caminho cabisbaixa pelas gélidas ruas
passando rente aos jardins de folhas outonais
dos dias de sol brilhante e céu azul.
Quando o frio de junho chega e os ossos doem
é que percebo que o tempo da vida também mudou.
Enrodilhada assim, qual um tatu-bola,
cabisbaixa, nem vejo o horizonte que se esboça
e as álacres crianças em suas roupas azuis e verdes
são como sombras que adejam em meu corpo.
E as mulheres que passam rumorejando litanias
ah, como as invejo com minhas mãos trançadas
que já não carregam sacolas transbordantes
de tubérculos, legumes e frutos suculentos.
Quando o frio de junho chega e os olhos transversos
só dão notícias das formigas apressadas
carregando seus fardos de folhas trêmulas
é que percebo que o peso que carrego
dobrou o tronco desta árvore envelhecida
curvou seu galho quase rente ao chão
apodrecendo as frutas entre larvas nos meus pés.
Quando o frio de junho chega com seu vento mágico
se despedindo dos dias outonais
lembro de um tempo em que indistintas se faziam
as mudanças no compasso do coração.
Hoje corre trôpego pelas veias
o escuro líquido que alimenta a esperança
enfraquecendo o motor que movimenta
os passos bambos caminhando para o fim.


(do livro inédito; Do Começo ao fim...)