Poema em preto e branco

Meus ouvidos estão ocupados

Entorpecidos por um rock

Em baixa voltagem,

Rimbaud passeia pela sala

E está no colo das pessoas.

E mais tarde

Sem rock

Surfarei versos franceses,

Ouvirei o tumultuo

Mudo de um túmulo,

Serei bucólico

Como Augusto dos Anjos,

Vomitarei uma poesia ácida

Nos fracos

Flancos do asfalto

De piche e ouro barroco

Como Gregório de Mattos,

Poesia; minha foto

Seus fatos são meus olhos

Olhos que ficam na história,

Esquecidos pelos caminhos,

Não amarei

E muito menos espancarei

O também belo Verlaine….

Socorro, socorram-me!

Os meus poros

Hoje, são poucos para tamanha

Acidez da vida,

Enquanto derrubam as gêmeas

Sem mãe

Pobres torres,

Oh, rica Manhatan em chamas

Pelos meus olhos

Filtro teus decassílabos

E danos,

Eu ouço o que clamas,

Seu sorriso capitalista

Agora cariado

Pelo fogo da incompreensão

São tantas quedas

E o tempo passando

Cai o muro de Berlim

Cai Hitler no caldeirão

De um passado

Hoje

Ontem

Outrora

Um passado

Já passado a limpo…

Oh, eram gêmeas também

As duas Alemanhas

Hoje se beijam com a mesma boca.

Caem estrelas atômicas

Sobre o pálido céu do Japão

Estrelas brancas e vermelhas

Azuis, sorriem

Um sorriso de pavor e alegria.

Céus, por que tantas queda?

E no Vietnã

Quantos caíram na cova dos leões

Como se fosse tudo aquilo

Mais uma vez a estupidez de um Coliseu…

Entre mortos com o mesmo golpe

De faca

De foice

De machado

De bala de canhão

Entre tantos golpes no coração

Já não sobraram homens

Pra todas as mulheres

Nem mulheres para todos nós.

Onde estão os restos

Dos corações dos poetas?

Onde está a perna amputada

De Rimbaud?

Cadê seus 37 anos de poesia?

Onde estou eu,

No fogo cruzado

Entre produtor e produto

Entre o cego que esmola

E a esmola que se dá em vão

Entre socialista e sanguinário

Entre o poeta que se entrega

A chuva como que se entrega

Ao chicote do feitor,

Entre o ódio e a libido

A doença e o comprimido

Tudo isso em um mesmo copo

De sangue e antibiótico.

O que faço com a cerveja

E a sede?

O que faço com o vinho

E a profecia?

O que faço com a vodca

E a poesia?

O que faço com a água

Mineral e a benta?

O que faço com a água

Que já é ardente?

Céus, como está gelada

Ela tem a faca

E eu tenho uma noite toda

Para morrer de sede

De sono

De tédio

De medo

De frio

De pena

De vergonha

De ódio

E apenas 27 anos

Para engolir todas estas madrugadas

Beber todas essas constelações

(Vomitar cada uma das estrelas)

Que sorriem no pálido

Céu dos vícios dos homens…

A circunferência da pupila

Sorri de medo

Medo de mim

Medo da noite

Da foice da morte

Medo dos meus versos

Medo do meu medo

E do meu amor

Medo de ver o tempo passar

Ter que viver toda vida

Em apenas uma semana…

Oh, menina

De olhos tão doces

De olhos tão distantes

De olhos tão límpidos

E de olhos tristes demais

De sorriso tão leve

Oh, menina

De olhar tão amargo

De olhos de fel

De olhos de carnificina

De olhos incertos demais

E sorriso tão denso.

Me diga o porque.

Por que choras

Ao me ver sorrir?

Ao ver cantar?

Ao ver flertar?

Ao me ter em seus braços?

Sorri para ver meu pranto?

Por que tantas dúvidas

Em um único olhar?

São tantas questões,

Mas um poeta não precisa

De suas respostas

Eu conheço todas

Decodifico todos os teus

Códigos de barra

Seus olhos já não me enganam

Teu sorriso

Aprendeu com as noites gastas

Em vão

Que é fácil descansar no meu ombro

Todas as tardes.

Talvez eu te ame

Ou de odeie

Te deseje

Teu sorriso

Teus seios

Teu ventre

Teu sexo

Teus olhos

Teus olhares

Teu toque

Em um toque apenas

Deseje tua nudez

A claro da lua

A luz do sol

A sombra da noite

Te quero, mas já não sei em que sentido

Talvez como naquele

Texto da Clarice Lispector

Te deseje ao contrario

Te deseje ao avesso

Mas os meus olhos já se perdem no vazio

De um livro vazio

Tento preencher o vazio

Do meu peito tão vazio…

Nesse momento se eu fosse

Leonardo, Paul ou Van Gougue

Pintaria a luz apagada

Deixada por teus passos

Na penumbra das minhas retinas

As sombras deixadas por teu caminhar

Já tão cheio de pressa,

Se fosse Caetano

Diria que o quadro é lindo,

Mas sou Édipo

Sou minha própria Jocasta

E por isso matarei Laio

Por que é minha obrigação

E para que a vida não deixe

De ser um mito,

Cuspirei

Todos os meus dentes de ouro

E enterrarei a todos em um sarcófago

Qualquer onde não haja luz

Nem paz

Pois prefiro as noites

As sombras, os olhos

De gatuno escondido nos becos…

Sou herdeiro de um poema morto

Aborto

Barco sem porto

Arroto

Poema enterrado na lama

Na palma da minha mão

Nas brasas do meu coração

Um coração em chamas…

Acredito na minha herança

Acredito no karma

Nos olhos que nada vem

Alem do medo que tem de ver

A si e seus medos obscuros,

Acredito que provarei o gosto

Do gosto

E dos desgosto

E nada será em vão

E mesmo assim serei vazio

Herdei a fumaça

E a carne mal passada

Da geração coca-cola,

Suas gripes

Suas overdoses

E o sabor doce mel e cru

Do seu câncer sem data.

Herdeiro de uma pátria

Sem patriotas

Só burgueses e patrícios

Cães se dono

Cães de guerra

Cães sarnentos

Cães e gatos que disputam um osso,

E esse osso está em mim

Soterrado em minha alma…

Não direi mais um único palavrão,

Oh, que bom, já sou um homem letrado

E sonho escalar

Todos os picos do mundo

O cume da vida

Todas as pirâmides do Egito

Sustentar toda a Índia

Sobre só um dos ombros…

Oh, como sou pobre e

Miserável de espírito

E como sinto saudades

Daquilo tudo que não conheci,

Minha existência já não é um fato

É meramente um fardo,

Sou um soldado de chumbo

Sem uma perna

Um Rimbaud de chumbo

Mas sem poesia e sem baioneta,

Perco-me na aventura

Mal resolvida da vida…

Chovam pedras a esmo,

Caiam rosas

Todas sobre minha cabeça

Fora de mim

Ao meu redor e por todos os cantos

E de minha lápide

De poeta faminto

Que chovam verdades tortas

Cruas e sãs

Sobre meus cabelos

Testados e reprovados

Pelos olhos da multidão…

A televisão no pátio

Mostra um duelo antigo

Uma guerra sem fim

Sem data

E sem vencedores

Mostra os céticos

Em sua peleja com os descrentes

Em pleno Maracanã

Um coliseu sem poesia

Sem sangue

Sem devoção

Sem Cézar

Dois times em pleno combate

Gladiadores órfãos

Que joguem

Que matem

Que morram

Que chovam gotas de amor sobre meus ombros

Cansados da vida,

Que chovam rumores

E vozes roucas

Sobre meu olhar sem Deus

E sem religião

Sem santos

Sem preces

E sem albergados em noites mais frias que essa…

Chovam corpos

Livres e tatuados

Caiam restos de cadáveres

Sobre minhas sobrancelhas

Que sobem e descem

A cada verdade

A cada mentira

A cada truque de um mágico mambembe

Chovam rosas vermelhas

Brancas

Rosas de todas as cores

Um arco íris de pétalas

Sobre as sombras de um velório

Sem corpo exposto

Sobre o corpo do esposo

Que se foi na chuva e ainda não voltou para a ceia

Chovam moscas e insetos

E chova chuva de verdade

Sobre as estradas que me levam

A coração da floresta

Ao coração da mulher

Que mora em uma floresta de dúvidas

Por detrás das muralhas da incerteza…

Céus, como sou torpe

Ao me banhar nestas águas

De um sorriso

Que frio chove sobre mim.

Lindo é o sorriso

Dos poetas que mentem

Por qualquer propina

Por qualquer centavo mal pago

Qualquer canção desafinada

E contrabandeiam versos de amor

Mas não conhecem os atalhos

Nem as estradas

Que levam ao coração

Um beijo

Uma rosa

A invenção da roda e da escrita

Destruiu os bárbaros

E criou os poetas

Mas estes não entenderam o porque

Não compreenderam os sinais

Não desvendaram os mistérios

Não souberam interpretar as cartas

Os búzios

As relíquias

Os telegramas

As runas

Os mistérios da natureza

E então apenas dançaram valsas

Sob a lua

E beberam o vinho que não deviam

Vinho que seria servido noutro banquete

E vomitaram vômitos de homem…

Céus, por que o tempo inventou os homens?

E por que os homens inventaram

O amor

A guerra?

O que é a guerra, meu Deus?

O que é o amor, meu Deus?

Meus Deus, pra onde devo ir?

O rei está nu

E é proibido o roque

O bote

O trote

Pois é o rei um escroque

Então, cheque mate!

Mas por mais que se mate

Sempre haverá um rei de pé,

Pisando sobre as chagas de seu povo

E esse povo será órfão

E o rei

Os bispos

A rainha

E seus peões

Lacaios sem patrão

Montados em seus cavalos

Seu tabuleiro se chamará vida

E o ultimo lance será do Tempo

Ultimo gambito

Ultima abertura

Ultima estrofe

Ultimo lance que será eterno

Será tudo o que o rei espera

Quando o rei cair

Esmagará seu povo

Mas o povo perdoará seu rei,

Por que ele é único

E assim será até o amanhecer….

A noite espera a queda da

Torre de Piza

Da torre Enfeou

Da muralha da China

Do cristo Redentor

E de tantas outras coisas inúteis e abstratas

Os olhos espreitam

Os ouvidos ouvem murmúrios

As bocas não mais se procuram

Se sim murmuram

E a torre não cai

Nada cai

Nenhum gota de chuva

Nenhuma pétala de rosa

Nenhum satélite russo

Nenhum caça americano

Nenhum avião da TAM

Apenas a noite é quem cai

A noite chove

Sua penumbra sobre as almas tristes

A noite sorri com olhos e com dentes

Ouço rock como nunca

Ouvirei em outra madrugada

Passarei todas as noites

Sonhando com uma poesia sem pudor

Sonharei sonhos secretos,

Muitos

Vários

Diferentes

Singelos

Torpes

Obscenos

Puros

Contagiosos

Diria infinitos sonhos em uma única noite

Distorcidos

Distraídos

Desmedidos

Destemidos

Desordenados

Disparatados

Dementes

Demorados

Demasiado turvos para meus olhos

Centenas deles bonitos

Bobos

Breves

Sonharei com arrepios

Acordarei muitas vezes

Gritando um certo nome

E tendo muita fome

Muita sede

E ainda mais sono

Céus, como vou dormir

Nos cabelos

Nos lábios de

Diva

Helena

Iracema

Clarissa

Ana Karenina

Ema Bovary

Tantas musas e deusas

Camponesas e burguesas

E por todos os sonhos

Que a vida me furtou…

As pedras estão vivas

As perdas estão intactas

A água corre entre as margens dos rios

As águas se perdem no sonho de serem pedras

E vomitar décadas

E placas tectônicas

E o tétano amarelado

De muitas e muitas eras

Os rios são veias

Chorando o sangue dos homens

Chorando as dores dos

Muitos partos ao longo dos tempos…

Meus cabelos estão fartos

A histeria da via

Por isso se entregam a correnteza

E descem rio a baixo

Mar a dentro

Vida a fora

E jamais desaguaram no oceano…

Vejam a pobre Joana D’Arc

Lutando contra os ingleses

19 anos

Em sua armadura

Com sua espada

Com sua lança

Com seu himem intacto

Céus, como somos hipócritas

Ela acreditava em Deus e por isso foi queimada

Cinco séculos depois a tiraram do forno

A serviram na ceia

Céus, como somos hilários

Ela já não existia e por isso foi canonizada

Pela janela a vejo

À frente de seu exercito

E tudo se vai

E tudo se foi

Com o advento do controle remoto

No entanto ainda somos os mesmos

Vermes de sempre

Devoramos toda a carne exposta

Seja ela de barro

Ou de ouro com brilhantes

O relógio marca

A hora do almoço

A santa hora dos vermes

Que comem a vida

E brindam o dia da morte…

Noite a dentro

O vomito e o asco de mim mesmo

E de meus inventos

Meus rebentos poéticos

Devoro sílabas temperadas com

Sal

Cal

Sereno e

Sacrilégio

E as lágrimas já são doces

De tanta insistência

Quando brinco sou mistério

Quando falo sério

Simplesmente não sou

Não estou

Sonho com uma barraca

Pode ser de lona

E uma mochila

Tudo em uma enorme estrada

Que vai do nada ao nada

Mas acordo

E o nada está aqui

Ao meu redor

Dentro de mim

Vazando dos meus olhos

Correndo por minhas veias

Dançando ao meu redor

Saltando por sobre minha cabeça

Um nada imutável

Tudo imutável

Ao meu redor

Meus amigos são estéreis

Minhas amigas são todas frigidas

E todo o nosso tesão

Morreu na primeira curva

Somos todos doces

Doces demais

Céus, como somos doces,

Principalmente eu

Somos todos fracos

Fracos demais

Eu mais do que ninguém

Somos loucos

Loucos demais

Mas estamos vivos

Céus, e como estamos vivos.

Como e nossa vida?

Ora, que pergunta!

Batalhamos por bebida

Na porta das igrejas

Comemos o que?

Ora, que pergunta!

Buscamos alimento nas portas das bibliotecas.

Todas as noites sonhamos

Com sorrisos de verdade

Sonhamos sonhos de criança

Céus, como somos inocentes

Inocentes demais

Principalmente eu…

Passaram-se os dias

De furiosas tormentas

Mas ainda preciso

Fazer um poema

E lavar o meu prato…

Se Platão estava certo

O tempo não passou

E eu sou o mesmo

De uma hora atrás

Se ele estiver certo

Eu estou redondo e enganado,

Não estou mais aqui

Nem acolá

Nem agora

Nem nunca mais

Mas neste momento nada importa

Se meu pulmão está certo

Ainda respiro ar

Ainda pressinto o ar

Ainda necessito de ar

E meu estomago logo mais

Gritará por qualquer coisa

E meu coração ainda bate

Por que se eu estiver errado,

Mesmo assim ainda estarei vivo…

Do outro lado do Equador

Os ralos

As latrinas

Os loucos

Os solitários

As ratazanas

Os boçais

Coitados, não são mais os mesmos

Não sorriem

Seu sorriso

É deste lado

A linha do Equador é logo ali

Na palma da minha mão

Se confunde com a linha da vida

Com a linha do destino

Pois a vida é uma rua de mão dupla

E nada disso impede

Que eu seja sugado por um enorme ralo

Girando

Um fuso horário confuso

E me vendo

Por quase nada

O dólar

O euro

O real

O ien

Já não me compram

Pois não me vendo a esta hora

Somente ao anoitecer

E tenho sido tupi guarani

Até as raízes dos cabelos….

Sou, por hora, por ainda agora,

Por mais algumas estrofes,

Um monossílabo tônico

E minha garganta

Se surpreende

Vendo os homens grunhirem

Seus versos imorais

Toda a lascívia verbal

Danifica meu ego

De (suposta por todos

E até por mim mesmo)

Pureza intocada

É assim que defendo

Minha poesia

Como única

Entre todas as que são únicas

E como José Paulo Paes

A minha rua também é curta…

Sinto uma saudade

Tão grande dos versos

De tempos atrás

Céus, eles eram sinceros

Eram a verdade

Meus versos de hoje são míopes

Não enxergam um palmo

A frente do nariz

E além do mais

São politicamente incorretos

A esta hora da madrugada

Já sucumbem ao licor

A aspirina

A cafeína

Uma grande nuance de tônicas

E águas tônicas

Pobres de meus versos

Que já não podem voar

Além de sua própria miopia

Seus músculos são pobres

Seus nervos cansados

Todo seu corpo

Seu verso

Cada estrofe

Tudo está flácido

Está morto

E já devo dar a mão

Com alguém que ainda não chegou

E juntos ir até o velório

Que ainda não começou

Assim como meus versos

Estou desnutrido

De fé e de inspiração

Ambos morremos junto

Carregamos um fardo

Que não é nosso de fato.

A lei áurea não nos libertou

E ainda vivemos, eu e meu verso

Mais antigo,

Com grilhões

atados a consciência….

ou serei eu cego?

O último dos crédulos?

Odair J Alves
Enviado por Odair J Alves em 30/05/2008
Código do texto: T1012102
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