Antes
Eu estava pensando
se vale mesmo a pena
cada cena
que a vida vem representando
sem ensaio,
e sem alerta,
a camisa aberta,
e o peito nu...
Estava sentindo
o vento no rosto
se curtindo
esse furacão:
extremo oposto
daquela doce brisa
que eu sempre quis
e que acreditei
ser o necessario para ser feliz...
Estava ouvindo uma velha cançao
e fiquei triste
por que o motivo da melodia
ja não existe
pelo menos não em mim...
E o dia escurreceu de vez
e chegou o fim
e tudo ficou palido
e gelado
vento de todos os lados
de todos os cantos
e os encantos
se foram embora;
o agora
ficou sem cor
sem luz
e todo o pus
começou a vazar
voltei então
meu rosto
para aqueles poemas
tristes de outrora
onde todos os temas
eram funestos...
Compreendi a lógica
totalmente ilogica
de tudo
da vida
do mundo
dos dias
das ruas
sempre escuras
dos becos
das garrafas vazias
compreendi a razão
mesmo que irracional
da poesia escrita
em vão
na sarjeta do tempo
e tive pena
da parcela pequena
que o tempo
legou a cada poeta triste....
Compreendi afinal
que nem tudo tem que ser
nem tudo precisa ser
nem tudo pode ser
e já nao sou
nem pouco
nem muito
apenas
retrato
esboço
figura
miragem
pó ...
Estou a merce do tempo
algoz sedento
estou contra o vento
e contra
toda a sorte
de correntezas...
Pela janela
vejo a vida
palida
que já se esfacela
e mais uma vez
eu tento
não ser o que querem que eu seja
tento ter a certeza
de que tudo está certo,
mas o deserto
das horas
está lá fora
e já me bate
às portas...
A sede que me corrói
e tão grande
e tão latente
tão extrema
que qualquer descrição
seria pecado mortal
seria disperdicio
de palavras
e tal
oficio
já não cabe a este poeta
cansado...
Eis que se aproximam
os instantes finais
manhã
tarde
noite
tempo
sempre
nunca
tudo já é uma unica coisa
se misturando
e se derretendo
no final de cada verso
enquando
o medo
a furia
e todo o universo
conspiram
antes deste ultimo raiar do sol...