O João-Cenoura
Esta manhã acordei cedo por causa de um passarinho
João-Cenoura, o passarinho, cantava ao lado da minha janela
Lamentava eu estar desperto no meu sonho de soninho
João me chamava, sua voz aumentava entre tantos na passarela
Levantei aturdido do meu soninho e ouvi do Cenoura um canto novo
Entoava cores ao sol que levantava vencedor de outra batalha
Do mar, navalha brava quebrava em espuma ao pé do moço
E Maria-Caroço coçava seu perfume neste dia em recomeço
João-Cenoura seguia em cima da flor verde o seu murmúrio
Estava a contar das gotas amarelas que caíam das estrelas
De como esteve escuro o sol, pesado o ar e ainda nu o rio
Então eu quis vestir as águas como o horizonte encobre as abelhas
Não posso encobrir a abelha porque sou vestido de água
A água escorre, resta o nada; um vento sopra, o pó levanta
Maria, a vizinha de João, mesmo que sem olfato, atrás do horizonte ainda anda
Procurando achar perfume no anil que ouviu no céu que aguarda
Carrego cedo a visão de que senti de João C. e seus vizinhos:
Os sininhos que tem pendurados na garupa do seu frescor
A dor que cultiva na sombra do assovio e chama de amorzinho
Os lápis com que escreve versos ventilados de calor
Tenho pra mim que J. Cenoura quis dizer, contar, ensinar...sei lá
Desentendi tudo porque sou destreinado no desastre do entendido
Sou brincante do ouvir...e isso muito bem sei cá
Desconfio apenas por despensar em todos livros que lido
Esta manhã em que acordei, mesmo sem ter dormido
Entoei cenas de sol sem calça com pés de espumas
Ouvi o amarelo assoviar a frescura da flor e do espinho
E ainda achei que era da turma, mas me achei em passarinho.