Aprendendo a fazer ninhos
"Tu te lembras, Pai Francisco? Este indigno que pega hoje a pena a fim de narrar a tua crônica era humilde e feio mendigo no dia de nosso primeiro encontro." (O pobre de Deus, Nikos Kazantzakis)
Quantas vezes você se olhou como pessoa?
Quem não se viu como pessoa
não verá ninguém como pessoa.
Você pode ser professor
Escritor
Poeta
Pianista
Filósofo
Juiz
Psicólogo
Amigo
Amante
Filho
Pai
Itinerante
E...?
Quantas vezes você se olhou como pessoa?
Você é um balaio genético.
Você é um cesto sociológico.
Você é um tapete antropológico.
Você é uma floresta arqueológica.
Você é um ninho de sentidos.
Você é um pântano cósmico.
Você é uma cascata emocional.
Você é uma foz de intuições.
Você é uma raiz de pássaros.
Quando um lagarto vem beber água em você
as borboletas secam suas tênues asas
de arco-íris e néon
na fina película que reveste o seu espírito
de tom
concretamente onírico
tudo o que é velho
se dissolve em hidrogênio e hélio
e o próprio Lúcifer
ofusca-se ante a fusão nuclear de Júpiter
onde o jardim de Pan
jorra leite e avelã
por mais que você se encurte
como se fosse bainha, gel, iogurte...
quando um soprano lhe disser em segredo
na alta abóbada celeste que nos âmago
lembra e desmembra
que tens o sorriso humano de tua mãe
a pele ética de teu pai
o prestígio nato de teu avô-mãe
que inspiras o temor delicado de tua avó-mãe
que andas com a altivez húngara de tua avó-pai
e o brilho de estrela (anos-luz) de teu avô-pai
que és tudo isso
e no entanto não és nada
importa apenas
onde os lagartos vêm beber água
onde as borboletas vêm secar as asas
onde o arco-íris interrompe Serra Leoa
e a recomeça
uma pessoa perfeita
duas pessoas perfeitas
três pessoas perfeitas
todas as pessoas do mundo perfeitas
como esta pessoa que eu quero ver
começando no meu espelho
usando o seu próprio esqueleto
qual o teu graveto
para o nosso novo ninho futurológico
da nova arqueologia eletrônica
por uma teologia bionuclear
na tecnologia de se beber chá
a sós
ou filosofando com a luz dos tantos bisavós
um projeto de passado lúdico
um despertar no novo sonho
onde os homens se unem
para amenizar as intempéries
e viver amar repartir ensinar aprender fazer festejar
causa em todos a mesma dor o mesmo espinho
sangra igual
seja por bem, seja por mal
o mesmo calor necessário do mesmo ninho
e temos todos o mesmo ponto-final.