Devaneios do Tempo
Devaneios do Tempo
O tempo é mesmo teatino, sem floreio.
Não tem patrão nem querência,
Passa a trote e, sem clemência, deixa no rastro a saudade.
Tempo cruel, sem pesar, leva consigo a vivência,
Deixando viva a lembrança
De quem só resta aceitar.
As mãos, hoje calejadas, trazem memórias de um tempo
Que se vivia feliz.
Tempo de lida, de raiz, sobrevivência e existência
Na terra que trouxe a essência e o sustento da família.
Em um olhar estendido, já não se vê mais o potreiro
Com a gadaria que lá empurrava o pasto.
No sogueiro, não se escuta o tropel dos mansos de encilha,
Nem o cantar dos quero-queros defendendo seu espaço.
No campinho, ao fim do dia, o mugir da vaca mansa,
Sentindo a falta da cria, já não ecoa nos ventos.
O tec-tec de tesouras, na cancha de couro cru,
E a ficha paga na lata junto ao berro dos cordeiros
Deixaram sólito o galpão,
Que fez a alegria de tantos que ali defenderam o sustento.
Das paredes centenárias restaram as rachaduras;
Em suas memórias, o testemunho da vida naquele lar.
Do cavalete do galpão, por certo já corroído,
Restou saudade de aperos que descansavam sobre o lombo
Ao final de um longo dia.
Nem o cerne da mangueira, sujeitador de malinos,
Foi poupado do destino de seu severo passar.
É triste para quem fica, a lembrança da existência
Daquilo que foi querência, deixa marejado o olhar.
Sei que não se governa o tempo;
Cada um tem seu propósito e aquilo por que passar.
A nós nos cabe aceitar e topar de frente o destino,
Cada qual com seu pensar, seu porquê, sua essência.
Mas me golpeia a existência quando me paro a pensar.
É triste deixar para trás
Um lugar de tanto afeto,
Uma vida que, por certo, foi bem vivida ali.
Desde os tempos de guri até virar homem feito,
Defendi o que é direito e me sustentei dali.
Por certo, muito aprendi nas campereadas que fiz,
Nas palavras que escutei de homens firmes, campeiros,
Defensores do correto,
De um tempo em que a palavra bastava e o dito se tinha por certo.
O mundo mudou, sim senhor;
A pampa já não é a mesma.
O maquinário tirou o serviço do pobre,
E o campo foi revirado
Por tratores e arados
Que cortaram a terra bruta
Para o plantio das lavouras.
Sente o peão, e como não há de sentir?
Julguem quem for capaz,
Mas julguem com coerência:
Se te tomarem a essência,
O que te sobra afinal?
Pode parecer tolice, ou até variação,
Dentre tantos adjetivos que queiram assim me tachar.
Mas me embrulha de lembrar o tempo que foi vivido,
E tento fazer sentido no que me cabe a falar.
Passado é passado!
Tempo não volta, afinal,
Mas, de certeza, lhes digo que ele nos traz a vivência,
Traz consigo a experiência para mostrar como faz.
Talvez seja egoísmo ou devaneio, que seja.
Com um olhar de campo largo e carregado de saudade,
Suplico à eternidade que o tempo volte pra trás!