Meu pago
Denise Reis
Quando nasci
hemolítica por incompatibilidade de sangue
um bem-te-vi cantou para anunciar
que tinha outros maios porvir.
Cismada com a insistência do pássaro
quiz ver o que ele via e os olhos abrir.
Entre os pelegos avistei meu povo rezando
e as chamas de um fogo de chão
foi então que a luz do pampa
aqueceu meu coração
e plantou em meus olhos
os sacramentos divinos da afeição.
Lutei pela vida, sobrevivi...
Assim, sem rédeas floresci
como os brincos-de-princesa e as rosas
nas lides dos jardins.
Herdei a esperança das estrelas
de entre os morros luzir
as Três Marias e a Dalva me guiam
pelos caminhos do bem querer
e os quero- queros me alertam
dos perigos mundanos, desilusões do viver.
Na rebeldia do vento e suas placitudes
selei meus vagantes anseios
de justiça , liberdade e virtudes
do gaúcho , identidade e arreio.
Com versos de chimarrão e jujo
todos os dias aro a alma
para apaziguar as dores dos heróis
meus ancestrais de outrora.
Hoje, o bem-te-vi pouco ouço e vejo
mas a lembrança é amparo, a solidão é verdejo
há motivos de sobra para viver e sonhar
e quando a morte chegar
que minha alma aguarde o próximo maio
e a terra replante seus enlevos em meus olhos
para que eu possa outra vez
renascer neste pago.