A LENDA DE SÃO BENTINHO
Quando eu era pequenino
Contava um velho mendigo
Vindo do monte sagrado,
Onde tinha o seu abrigo,
A lenda de São Bentinho
Num vigor entusiasmado.
No alto daquele monte
Entre Vizela e o céu
Vivia um santo Eremita,
Com uma alma sem labéu,
Rogando naquele horizonte
Perdão pra toda a desdita.
Para ali do seu convento
Desde cedo se encaminhou
Pois a vida conventual,
A ele mesmo o desencantou,
E longe desse tormento
Ganhou alma angelical.
A razão que o fez partir
Era a vil maledicência
Que reinava entre os irmãos,
Turvando-lhes a sapiência,
Podendo ali conseguir
Erguer pra Deus suas mãos.
Se bem pensou melhor o fez,
Contava o velho Aranhão,
Cada manhã vinha um corvo
Acompanhá-lo na oração
Que os dois faziam à vez
Com toda a fé e sem estorvo.
O Santo o pão repartia
Com a ave companheira
Que apesar de ser estranha
Não saía da sua beira
Durante as horas do dia
Passadas naquela montanha.
Mas um certo dia, porém,
Um ruim frade traiçoeiro
Ali chegou co´ uma saca
E dentro um queijo rafeiro
Com veneno - sabendo bem -
Mas era maldade velhaca.
Ao corvo o Santo o deu
Dizendo-lhe duma assentada:
- Leva-o lá para bem longe
E volta cá de madrugada.
Mas, o que é que sucedeu?
O corvo grasnou pro monge…
Ao queijo nem lhe tocou,
Parecendo desconfiado,
Mas o Santo insistiu
E a ave lá voou, voou…
Voltando, mais confortado,
Um pão fresco digeriu.
Disse o Santo ao corvo esperto:
- Negro por fora, branco por dentro,
Salvando-me desta traição
Quero que saibas, no convento,
Esteja ao longe ou ao perto
Jamais me enganarão!
O corvo e o Santo s´ irmanam
E às almas dos peregrinos
Vão concedendo mil graças,
Cantando louvores e hinos,
E lá, na ermida, imploram
A cura para as desgraças…
São Bentinho, São Bentinho,
São Bentinho Vigilante,
Não esqueças o meu segredo:
Peço, com todo o carinho,
Cura este mal degradante,
Do alto desse rochedo…
Frassino Machado
In ODISSEIA DA ALMA