LENDA DO CHIMARRÃO
Numa grande taba indígena
que na fronteira se expande,
entre o Uruguai e o Rio Grande
onde tudo era beleza,
contavam suas proezas
ao derredor das fogueiras,
os guerreiros em fileiras
completando a natureza...
Foi quando uma discussão
surgiu entre dois lutadores,
Piraúna, rei dos açores,
rápido como serpente;
Jaguaretê, mais valente
e devoto de são bico:
são cernes do mesmo angico
raça, da mais brava gente.
São dois índios, dois tauras
queixo duro, guampa torta,
pois pra eles nada importa
nunca sentiram regaço,
nem o valor dum abraço
de algum carinho materno.
Nunca se mistura cerno
de angico, com barra de aço.
Porque não se pode unir
e criar no mesmo rebanho,
tauras de sangue estranho
e de ideais diferente...
Jaguaretê, mais valente
quebrou o crânio do rival,
curtido pelo seival
do Cauim, bebida quente.
Foi preso pelos guerreiros
e amarrado pra torturas,
sentiu então as agruras
desse golpe repentino.
Mas nem assim, perdeu o tino,
pois já sabia desde o leito,
aos pais do morto é direito
tirar a vida ao assassino.
Porém, o pai de Piraúna
tal sacrifício não quis,
mesmo assim fora feliz
a vontade era de Deus,
sentiu a falta dentre os seus,
do filho que foi querido,
viu que o mesmo era perdido
não quis bancar o judeu.
Castigo a Jaguaretê
foi deixar tribo e Rincão,
viver só pelo sertão
longe de tudo o que resta,
deixou a querência que presta
rumbeando ao desconhecido,
e o pago deixou sentido
partindo para a floresta.
Passaram-se muitos anos...
até que alguns caçadores,
da tribo dos nadadores
descobriram na ramada,
uma grande oca isolada
onde vivia um homem forte,
bem mais velho do que a morte
cabelos pareciam geada.
Era o Jaguaretê de quem
os índios ouviam falar,
que depois de muito andar
pela floresta selvagem,
que até então deu padronagem
ao índio que mui ressequido,
fora cair desfalecido
em meio a estranha ramagem...
A bela deusa, Caai-Iari
protetora dos ervais,
chinoca linda demais
dessas que pouca se vira,
que eternamente se mira
com as folhas d’árvore, Ela,
fez-lhe a bebida mais bela
a mesma que lhe servira.
E graças que aquela planta
dava força e energia nova,
o índio escapava da cova
tornou-se o Rei do Sertão,
fez de todo o picadão
querências do nosso pago,
e sorveu trago após trago,
o primeiro chimarrão.
Se espalhou pelo Rio Grande
de Leste a Oeste e Sul a Norte,
o sangue verdoengo e forte
do nosso glorioso pago.
A bebida que o índio vago
dá antecedência à canha,
é o licor da campanha
que sente-se muito afago.
E por isso que ao matear
em cuia de bom porongo,
o meu olhar então alongo
num trago de chimarrão,
do sangue verde do chão
a mirar o descampado,
Recordo pois, o passado
num Varal da Tradição.