Substância e Ego
I
Partícula do infinito, do imensurável;
com matérias infinitesimais,
rompe-se e agita-se, nunca mais
será ela - como antes era - estável!
Nunca mais tão Una, tão universal;
Tão antes era ela adjacente
Como única e suprema e único ente
Dum mundo inarredável celestial!
Soa estrondos, e eis os primeiros sons!
Big-bang! E eis o estrondoso clarão
E se alastra aos negros espaços que hão
De abrigar, como nunca antes, os tons
Cinzentos e marrons e esbranquiçados
Das poeiras cosmo-difusas; informes,
Hórridas, colossais massas enormes
De seres brutos e desordenados!
E eis que se desfaz o Caos ante a Ordem,
E sem nenhum demiurgo, sem nenhum!
Sem um Deus, sem um criador, sem um
Motivo - e antes mesmo que almas acordem -
II
Vagava as substâncias mais titânicas
E primordiais em todas as escalas.
Mas não era Urano e Gaia e Cronos e Atlas
Que andavam sobre essas poeiras mecânicas
E estruturas físicas energéticas.
Porém, havia titãs e quimeras
Que se originaram dentre essas meras
Massas brutas, eram elas as poéticas
Estrelas, colossais manufaturas
De elementos, brilhos da infinidade -
As primeiras luzes na imensidade
Dum espaço negro, antes sem rupturas.
E eis os fulgores das constelações;
Galáxias e sistemas e planetas;
E dentre essas esferas tão concretas,
Dentre as espirais e as circulações,
Há um planeta infesto de corpos vivos,
Formados de aglutinações orgânicas
Nas profundezas das massas oceânicas,
Donde muito tempo serão cativos.
Até que esses meros corpos microbianos
De tanto combaterem a si próprios
Em ambientes cada vez mais impróprios
Em que outrora viveram milhões de anos,
Levantam, ante a bravura telúrica,
Da conquista vitoriosa do solo,
Desbravam a terra de polo a polo
Ingerindo e defecando a própria úrica
E estercorária propriedade viva.
- Ah, quem diria, quem? Que essa matéria
De adjetos faria cada artéria
E tendão e carne e osso conjuntiva
De um ser tão miserável como o humano!
E eis cá o ignóbil Ego execrável
Que subiu ao cérebro lastimável
Desse sujeito sujeitado e insano:
III
Pobre ser consciente da dor, da morte;
Se fosses inconsciente da sede,
Da fome, serias só essa parede
De ossos e carnes: Não só mais transporte
Do teu Ego lamentável e forte
Que faz com que a tua própria carne azede.
Não há luta mavórtica, nem rede
Que dome, e nem lâmina há que corte
Esse Ego estercórico-microbiano.
Toda existência te renega, humano,
Por todo o espaço infinitesimal,
Porque arrogas-te como alma liberta,
Recusas o mundo que te acoberta
De substância Una e Universal!
IV
Até hoje ninguém sabe donde veio
Essa alma humana de livre consciência
Que governa esse mundo sem sapiência
E ainda julga nele o que é belo ou feio!
Ó, ser controlador e “social”
Que julga-se sábio e politizado,
Tu, por tua própria espécie és desprezado
E nunca concretizas o teu ideal!
Passam e passaram eras e tempos,
Mudas tuas invenções e passatempos
E a tecnologia de teu mundo físico.
Mudas até no teu comportamento,
Até na tua veste e no teu alimento,
Mas persiste o teu Ego metafísico!