O TEMPO É IMPLACAVEL
Eu hoje a beira da sanga
Vi no espelho das águas
O reflexo das magoas
Que trago dentro do peito
E tive consciência, enfim
Que me tornei revoltado
Pelo tempo ter roubado
O que era meu de direito
Levou-me a vitalidade
Que desfrutei quando moço
Me impondo nos alvoroços
Através do fio da adaga
Quando mostrava destreza
Trocando a dita de mão
E me arrastando no chão
Qual “cusco” com sarna braba
Tirou-me a satisfação
De ginetiar campo afora
Sentindo o vento na cara
E o potro girar no espaço
Descendo o mango com força
E marcando as duas paletas
Com os dentes das rosetas
Do par de esporas de aço
Levou-me o corpo de atleta
Adorado pelas percantas
Que peleavam nas bailantas
Pra disputar um cambicho
E até o ferrão de macho
Deste cuiudo das tascas
O tempo deixou na casca
Pra ser jogado no lixo
Este é o efeito dos anos
Que implacável avança
Numa cavalgada mansa
Não dando escolha pra gente
Nos tapa o toso de neve
E a alma pede guarida
Quando a porteira da vida
Quer se fechar lá na frente
Já não sou mais quem eu era
Nem faço o que antes fazia
A velhice me chegou fria
E deixou a melena branca
Caminho com muito esforço
Pouco enxergo e pouco escuto
E meu corpo forte e astuto
Virou cansaço e pelanca
O tempo tirou-me a força
De nunca enjeitar trabalho
E os meus banhos de orvalho
Tropeando em muitas querências
Só não pode me tirar
O meu amor pelo pago
O vicio do mate amargo
E o gosto pela existência