O TEMPO É IMPLACAVEL

Eu hoje a beira da sanga

Vi no espelho das águas

O reflexo das magoas

Que trago dentro do peito

E tive consciência, enfim

Que me tornei revoltado

Pelo tempo ter roubado

O que era meu de direito

Levou-me a vitalidade

Que desfrutei quando moço

Me impondo nos alvoroços

Através do fio da adaga

Quando mostrava destreza

Trocando a dita de mão

E me arrastando no chão

Qual “cusco” com sarna braba

Tirou-me a satisfação

De ginetiar campo afora

Sentindo o vento na cara

E o potro girar no espaço

Descendo o mango com força

E marcando as duas paletas

Com os dentes das rosetas

Do par de esporas de aço

Levou-me o corpo de atleta

Adorado pelas percantas

Que peleavam nas bailantas

Pra disputar um cambicho

E até o ferrão de macho

Deste cuiudo das tascas

O tempo deixou na casca

Pra ser jogado no lixo

Este é o efeito dos anos

Que implacável avança

Numa cavalgada mansa

Não dando escolha pra gente

Nos tapa o toso de neve

E a alma pede guarida

Quando a porteira da vida

Quer se fechar lá na frente

Já não sou mais quem eu era

Nem faço o que antes fazia

A velhice me chegou fria

E deixou a melena branca

Caminho com muito esforço

Pouco enxergo e pouco escuto

E meu corpo forte e astuto

Virou cansaço e pelanca

O tempo tirou-me a força

De nunca enjeitar trabalho

E os meus banhos de orvalho

Tropeando em muitas querências

Só não pode me tirar

O meu amor pelo pago

O vicio do mate amargo

E o gosto pela existência

Silvestre Araujo
Enviado por Silvestre Araujo em 27/06/2012
Código do texto: T3748256
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