Canto Real do Ser

Há noite no sereno do meu brado,

Cantando fados outros no presente,

E vou terrificando meu passado

Com tintas negrejadas do poente,

Desfile de mil sombras no meu peito

Assim que logo surgem, logo aceito

Pousar nas esquivanças a sangrar

O rosto das estrelas sem luar,

Rimando no mistério a sensação

Que possa no meu peito transformar

Aquilo que se chama coração.

O tempo, pirilampo no orvalhado,

Açude que nos prantos faz e sente

A vilania do esteta retratado

Que esconde seu poema a toda gente,

Dormira com esferas no seu leito

Vestindo nos indícios do preceito

A profusão de olhar o mesmo mar

Que a vida pretendeu desencontrar

Nas ondas nebulosas da estação,

São campos onde fora semear

Aquilo que se chama coração.

Acorda-te no Sol que vive ao lado

E torna o incomum no mais frequente,

Poema é um procurar e estar alado

Naquilo que nos cura e faz doente,

Se a vida não destina, não há jeito

De ser o sentimento rarefeito

E sempre poder ir maravilhar,

O sopro transformado de ser ar...

O mundo que o poeta tem na mão...

O mundo que se foi sem preparar

Aquilo que se chama coração.

Então permaneceu, não foi finado

Aquilo que previu ser condizente

Com o peito no anil despedaçado

Que passa no destino bem mais rente,

É causa sem ter dolo do defeito,

Ou dúvidas do muro pelo efeito

Dos versos que no campo foi arar,

O poeta apresenta seu rimar

Que torna o que passou na cerração

O fruto que jamais irá provar

Aquilo que se chama coração.

Envoltos pôde ver se relembrado

Os passos no caminho então luzente,

Mas passos sempre medram no meu fado,

Procuro perceber e ir em frente,

Se a vida torna tudo em ser estreito

Desde a luz que se abriu no meu conceito,

Até vícios que a vida faz beirar,

Mas que o peito possa deles arrancar

Porque nunca estará da vida o não,

Ser poeta é ter de acostumar

Aquilo que se chama coração.

Oferta

Eu me perco no olhar que vejo entrar,

Qual se o céu fosse então condecorar

As espumas que tinge na intenção,

São meus sonhos sem luzes de sonhar

Aquilo que se chama coração.