POR CAUSA DE UMA MORENA

Era um dia de noitinha

De uma sexta feira santa

Eu enrolado na manta

Debaixo de um pé de pinho

Me lembrava com carinho

De uma “chinóca” morena

Que tinha a voz mais serena

Que o trinar de um canarinho

Voltei no tempo ate o dia

Que eu dançava num fandango

De espora, facão e mango.

Com uma china de trança

Marcando bem uma dança

No estilo da fronteira

Agarrado nas cadeiras

Daquela potranca mansa

Ao lhe perguntar o nome

Me disse que era Estela

E no pé do ouvido dela

Eu fui contando mil prosas

Com a tarimba manhosa

Que sabe ter um mundano

Pra o coração ir ganhando

Daquela china mimosa

Mas ela já pertencia

A um tal de Jose facada

Que tinha a vida afamada

Por ser o rei da destreza

O terror das redondezas

Pela policia caçado

E eu dançando apertado

Com a rainha da beleza

Mas sem dar bola ao azar

Eu arrastava as tamancas

Disposto a topar a banca

Quando surgisse o enredo

Por que eu não nasci de medo

Nem creio em assombração

E entrevero de facão

Sempre tive por brinquedo

Só vi que parou a gaita

E os demais foram se abrindo

E um “xiru” vinha sorrindo

Assim com ar debochado

Com mais dois de cada lado

Todos querendo intriga

E gritei pra china “te abriga”

Que o “bochincho” ta formado

Saltei pra o meio da sala

Puxei meu marca formiga

E já larguei pela barriga

Do que estava mais perto

E o índio de bucho aberto

Desabou direto ao chão

Com a “tripada” nas mãos

Viu que o inferno era certo

Com todos me castigando

Eu quase que me atrapalho

Mas no aperto eu me espalho

Que nem curinga em carteio

E um bugre retaco e feio

Eu deixei de cara mais feia

Pois queixo, beiço e orelha.

Eu atorei pelo meio

Os outros dois dispararam

Sumindo pelo “varzedo”

Só ficou o “xiru” sem medo

O homem que tudo faz

Que não da volta pra trás

Quando vê que a morte é certa

Gritando de goela aberta

Do que ele era capaz

Talvez já a mais de hora

Que os ferros vinham tinindo

E o “taura” sempre sorrindo

Debochando ate da morte

Abusando da própria sorte

Sem pensar que num segundo

Podia pra o outro mundo

Ganhar o seu passaporte

O “desbuchado” já morto

E o outro já encomendado

E eu com os braços cansados

De tanto “terciar” o ferro

Saltei dizendo num berro

Pede ajuda a satanás

Por que é aqui meu rapaz

Que a tua historia eu encerro

Num golpe de “revesgueio”

Eu ponteei, e entrei com tudo

E o valentão ficou mudo

Não atinando a mais nada

Sentindo as tripas cortadas

Caiu no chão estirado

E foi esse o fim do reinado

Do tal de Jose facada

Nisto chegou a policia

Atirando pra todo lado

E eu resvalei apertado

Pelo vão de uma janela

Atirei um beijo pra bela

E me sumi num matagal

Que nem “cuiudo” bagual

Abichado nas costelas

E desde este dia eu trago

Esta sina de “teatino”

Talvez seja meu destino

Eu vagar de pago em pago

Sem nunca sentir afago

Bebendo pelos “bolichos”

E batizando “bochinchos”

Com o nome deste índio vago

E aquela china de trança

Nunca mais pude encontrar

Por isto eu vivo a lembrar

Com muito amor e carinho

Pois talvez nalgum caminho

Eu reencontre a pequena

Aquela flor de morena

Que me faz viver sozinho

Silvestre Araujo
Enviado por Silvestre Araujo em 14/04/2012
Código do texto: T3612527
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.