NUNCA É TARDE PRO PERDÃO

Madrugada, e os vultos negros

Das casas e os eucaliptos

Com os quero-queros aos gritos

Denunciavam sua partida

Quieta, lenta e decidida

Em direção da porteira

E uma coplita campeira

Soava fraca e repetida

Na mala de garupa

Pouco mais que seus avios

A dúvida como desafio

Do que viria pela frente

Era só o que tinha em mente

Naquela manhã de outono

Mas decidido a ser dono

Do rumo dali pra frente

Boleou a perna na cerca

E não olhou para trás

E se sentindo capaz

De fazer um mundo só seu

E assim se resolveu

A enfrentar tudo solito

E nem respondeu ao grito

Do seu pai dizendo adeus

Sob a melena castanha,

Guardava um ressentimento

fruto do desentendimento

Marcando a despedida

Separando duas vidas

Debaixo do mesmo teto

Misto de rancor e afeto

Ardendo como ferida

Num mundo tão diferente

De lidas tão desiguais

Os conselhos do seu pai

Éra o que tinha por fiador

De bom ginete e laçador

Nada foi aproveitado

No seu novo aprendizado

Pra se tornar um doutor

As mateadas, a bombacha

Denunciavam uma vivência

O amor pela querência

E a saudade da estância

Sufocados na distância

Do velho pago querido

Do tempo nunca esquecido

Vividos na sua infância

Dividido em pensamento

Entre a saudade e o perdão

E o fruto de uma união

A cobrar-lhe a descendência

Não bastando a consciência

Do que herdou em conselhos

E com os olhos vermelhos

Cedeu aquela clemência

E foi este sentimento

Que cabresteou seu retorno

Mas com ar de abandono

Encontrou o velho galpão

Só cinzas no fogo de chão

A estampar a ausência

De toda uma existência

E agora, só solidão

Com olhar perdido nas cinzas

Viu-se sentado, mateando

Com a peonada proseando

Parece que o tempo parou

Foi quando a voz escutou

Do amigo peão caseiro

Negro velho, companheiro

Que muito lhe ensinou

Ao retirar o chapéu

O tempo estampou na testa

- sou tudo que por aqui resta

Disse, o amigo peão

Deus os chamou, meu patrão

Mas lhe deixaram um recado:

Que o sinhô já foi perdoado

Pois nunca é tarde pro perdão.

Cesar Tomazzini
Enviado por Cesar Tomazzini em 03/08/2011
Código do texto: T3136654
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