NUNCA É TARDE PRO PERDÃO
Madrugada, e os vultos negros
Das casas e os eucaliptos
Com os quero-queros aos gritos
Denunciavam sua partida
Quieta, lenta e decidida
Em direção da porteira
E uma coplita campeira
Soava fraca e repetida
Na mala de garupa
Pouco mais que seus avios
A dúvida como desafio
Do que viria pela frente
Era só o que tinha em mente
Naquela manhã de outono
Mas decidido a ser dono
Do rumo dali pra frente
Boleou a perna na cerca
E não olhou para trás
E se sentindo capaz
De fazer um mundo só seu
E assim se resolveu
A enfrentar tudo solito
E nem respondeu ao grito
Do seu pai dizendo adeus
Sob a melena castanha,
Guardava um ressentimento
fruto do desentendimento
Marcando a despedida
Separando duas vidas
Debaixo do mesmo teto
Misto de rancor e afeto
Ardendo como ferida
Num mundo tão diferente
De lidas tão desiguais
Os conselhos do seu pai
Éra o que tinha por fiador
De bom ginete e laçador
Nada foi aproveitado
No seu novo aprendizado
Pra se tornar um doutor
As mateadas, a bombacha
Denunciavam uma vivência
O amor pela querência
E a saudade da estância
Sufocados na distância
Do velho pago querido
Do tempo nunca esquecido
Vividos na sua infância
Dividido em pensamento
Entre a saudade e o perdão
E o fruto de uma união
A cobrar-lhe a descendência
Não bastando a consciência
Do que herdou em conselhos
E com os olhos vermelhos
Cedeu aquela clemência
E foi este sentimento
Que cabresteou seu retorno
Mas com ar de abandono
Encontrou o velho galpão
Só cinzas no fogo de chão
A estampar a ausência
De toda uma existência
E agora, só solidão
Com olhar perdido nas cinzas
Viu-se sentado, mateando
Com a peonada proseando
Parece que o tempo parou
Foi quando a voz escutou
Do amigo peão caseiro
Negro velho, companheiro
Que muito lhe ensinou
Ao retirar o chapéu
O tempo estampou na testa
- sou tudo que por aqui resta
Disse, o amigo peão
Deus os chamou, meu patrão
Mas lhe deixaram um recado:
Que o sinhô já foi perdoado
Pois nunca é tarde pro perdão.