SONHO DE LIBERDADE
SONHO DE LIBERDADE
Nas ondas turvas da sanga
Galopa a imagem de um qüera.
Apeado em pé e à espera
Que o baio em longas tragadas,
De ventas arreganhadas
E ganas de quem mateia,
Trave com a sede peleia
Numa tarde ensolarada.
Na barranca do outro lado
Ajoelhada numa tábua
Sem tirar os olhos dágua
Batendo a roupa ensaboada
A linda negra Esmeralda
Sente o jovem coração,
Num corcove redomão
Deixar-lhe estagnada.
-“Buenas Tardes”, disse ele.
Tapeando um chapéu sovado,
Tinha no rosto suado
A cor de uma noite escura
E inspirava bravura
No seu porte ainda noviço
Disposto a qualquer serviço
Com tirador na cintura.
Sem esperar a resposta
Disse – campeio trabalho
Por isso não atrapalho
Vou seguir até o galpão
E até mais ver, então,
Saltando no lombo e saiu
Mas a negra se sentiu
Pealada pela paixão
Dali em diante na sanga
A silhueta da negra nua
Moldada na luz da lua
Amava-o, noite adentro.
Sem se importar com o relento
De uma madrugada fria,
Se o calor que os aquecia
Era de um puro sentimento
Um dia chegou na sanga
Sem o “Buenas tardes” de antes
Trazia em seu semblante
Um ar de melancolia
Como quem se despedia
Sem saber se vai voltar
Numa linguagem de olhar
Que só a alma entendia.
Esmeralda então lhe disse:
- tuas vestes falam o que penso
Tens no pescoço um lenço
E com esta lança na mão,
Deve ser ordens do patrão
Pra te enfileirar nas coxilhas
Ao lado dos farroupilhas
Pra defender este chão!
Um longo beijo molhado
Ardente como o primeiro
No negro agora lanceiro
A negra depositou,
E ele no baio montou
E num gesto incontido
Com o braço estendido
- Liberdade! Ainda gritou
Em outra noite de lua
Outro corpo negro nu
Num berço de couro cru,
No galpão choramingava.
Esmeralda o embalava
Pra que então se acalmasse
A espera de que chegasse
O peão que ela tanto amava.
Na beira da velha sanga
Noutra tarde ensolarada
Viu na água espelhada
A imagem de um cavaleiro.
A negra levantou ligeiro
Num ímpeto de esperança,
mas apesar de usar lança
não era o seu guerreiro.
Trazia a cabresto o baio
Como sendo o que restou
E o gritou não se calou
- não, não pode ser!
Não há sentido em viver
Prefiro morrer também.
Pra que no pago do além
Pelo menos livre vou ser.
Foi quando duas mãozinhas
Seguraram-lhe o vestido
Lembrando que não foi perdido
O “sonho de liberdade”.
E pra dar continuidade
Ali estava aquele piá
Pra seu pai se orgulhar
Mesmo lá na eternidade.