Invernada da memória
Oh, pampa amado! Que o dia tu colhas!
No lusco-fusco do teu amanhecer,
Ouve-se o quero-quero, a embevecer.
O sol infiltrando-se entre árvores e folhas.
De mansinho, acende as lâminas geladas
Que escorrem num lento derreter.
Verde, que ainda nem é enverdecer,
Cobre-se do branqueado das geadas.
Cevando o mate, pela janela do galpão,
Olho o galo que, recém-acordado,
Espreguiça-se num canto toado,
Para acordar esse nosso mundão.
E a cambona chia sobre o braseiro,
Avisando que pro mate já está quente.
E a luz do sol, toda vermelho-dourada,
Vai acordando o que vê pela frente.
Ao longe, entre as coxilhas abertas,
Por um motor, o silêncio é quebrado,
É o caminhão que busca o leite pojado
Para alimentar as cidades alertas.
Lembro dos causos contados à noite,
Do lobisomem à mula-sem-cabeça,
Aos mais jovens, antes que me esqueça,
Cada história terminada era um açoite.
E, quando era o momento de irem embora,
Ao passarem pelos campos e pelo arvoredo,
Sozinhos, rumo às casas, batia-lhes o medo,
De a lenda ser verdade, e essa a sua hora.
Mateando solito, à beira do fogo de chão,
Penso na lida que começa, como todo dia.
Meu pampa é inteiro como bela poesia,
Que se cria e cresce, no esforço do Artesão.