Relatos Sentimentais.
Cevo um mate a preceito
e embuçalo o pensamento
Palanqueio o sentimento
num cabresto de boa trança
me enxergo uma criança
com meu avô do meu lado
e encilho o meu passado
co's os arreios da lembrança
Uma paixão desmedida
carinho, ternura e afeto
ninguém dedicou a um neto
tamanha dose de amor
Amansou-se o domador
que nunca tinha caído
por aquele "guri" querido
fruto da sua menina flor
Bem assim era o meu velho
que de Otavio foi batizado
Gaúcho dos quatro costados
e campeiro por excelência
tinha na alma a essência
do Rio Grande de outrora
de bombacha, bota e espora
gineteando a existência
Homem de poucas palavras
mas de sorriso sincero
Ativo igual quero-quero
na defesa do seu ninho
se preciso, peleava sózinho
com adaga e com garrucha
numa estampa bem gaúcha
sem arredar do caminho
Me lembro com alegria
de vaqueanas campereadas
percorriamos as invernadas
tocando a tropa por diante
num estilo elegante
era um rei sobre o pelego
sem dar nem pedir achego
laçando boi nos lançante
Me ensinou que nessa terra
só se colhe o que se planta
que um índio só se levanta
depois de ter ido ao chão
De nunca frouxar garrão
na hora do tempo feio
não dar lombo pra arreio
de soldado ou de patrão
Que amar e querer bem
é o sentido da vida
Por pior que seja a lida
ter educação e respeito
levar com manha, com jeito
com perícia de doutor
e força de amadrinhador
tirando um amigo no peito
Lembro ainda as pescarias
no açude e na sanguinha
jundiá, muçum e joaninha
lambari, branca e traíra
no angazeiro uma saíra
de "inveja" colorida
pois tinha bóia garantida
na janta da vó Jandira
Nos desfiles farroupilhas
pelos vinte de setembro
Hoje ainda bem me lembro
a gauchada em arruaça
eu na éguinha picaça
e o tobiano velho ao lado
sendo por ele vigiado
do palanque até a praça
Meu mundinho ao seu lado
era igual ao paraíso
temer não era preciso
pois nada me acontecia
no toque da mão macia
afagando o meu cabelo
demonstrava todo o zelo
que por mim sei que sentia
Em um dia muito triste
partiu pra outra querência
Deixando essa existência
para ficar na memória
restando sua trajetória
de campeiro e domador
e um poéta trovador
pra contar a sua história
Me dei conta nessa hora
que a vida é mesmo assim
somos iguais ao capim
nascido entre a massega
Que macho nunca se entrega
pra tocaia ou armadilha
pois tendo amor de familia
suas origens não renega
É muito dura e difícil
a dor da separação
Se tem logo a impressão
que nos tiraram um pedaço
Não tem calor de abraço
nem beijo de até breve
só frio, igual gelo de neve
nos matando de cansaço
O tempo se foi passando
e deixei de ser guri
Me fiz homem e aprendi
conviver com a saudade
Entender a realidade
mesmo até não aceitando
seguir firme, caminhando
buscando a felicidade
Felicidade essa, que,
em seguida encontraria
Me enchi de alegria
não sendo mais andarilho
O sol teve bem mais brilho
no raiar de um lindo dia
só porque nele nascia
o seu bisneto, o meu filho
Percebi nesse momento
que tudo tinha mudado
Retornei ao meu passado
e em emoção mergulhei
não resistindo, chorei
ao reparar algums traços,
e segurando ele nos braços
de Otavio eu lhe chamei
A história se repetia
de uma forma parecida
Pois, no rodeio da minha vida
um premio tinha ganhado
Resgatei o seu legado
de domador e campeiro
de gaúcho companheiro
e de homem respeitado
Peço ao patrão do céu
mais uma benção na vida
Que no dia da minha partida
eu possa estar preparado
que eu esteja bem pilchado
na hora de lhe abraçar,
e água quente pra cevar
um mate bem caprichado
Quero matar a saudade
que o tempo engordou
Mostrar pra ele o que sou
depois do aprendizado
Vou camperear ao seu lado
e pescar numa sanguinha,
jundiá, muçum e joaninha
pra recordar o passado
Lhe contarei que o Rio Grande
ainda é um pago altaneiro
Porque tem xirú campeiro
que não largou dos arreio
Laçando boi nos rodeio
a galope ou a trote,
pois são eles, novo brote
da cepa guapa que ele veio
Dormiremos agarrados
numa nuvem de colchão
Tendo o céu como galpão
e as estrelas o telhado
Dois cometas encilhados
de alegria e de amor,
e o infinito um corredor
pra tropearmos lado á lado
* Homenagem a "Otavio felix da silva", meu Avô, meu Pai, meu companheiro, meu amigo, e, acima de tudo, um exemplo pra mim e para meus dois filhos, Otavio e Pedro,e, principalmente, para meu neto Théo.