Essência crioula
Patrão do pago celeste,
Nobre gaúcho nonorário,
No rude confessionário
Dos bilichos de campanha
Onde a penitência é a canha,
Suplico-te humildemente:
Quero brotar novamente
Neste ventre abarbarado,
Pelo Minuano embalado
E cantilenas dolentes.
E se não puder voltar,
Por força de algum preceito,
Dá-me ao menos o direito
De levar como regalo
Os pelegos do cavalo
Para uma longa sesteada;
Um poncho pra madrugada
Se o catre for ao relento,
E para esquentar o pensamento]
Uma guampa de água sagrada.
Não permitas, Patão velho,
Que a verde seiva divina,
Lenitivo que fascina
Me falte pra uma refrigério;
Seja dado a este gaudério
O seu lenço colorado,
Na guaiaca alguns trocados
Para qualquer emergência,
Pois não sei, noutra existência
Se a venda vende fiado.
Deixa-me também levar
As velhas botas campeiras,
Chaira, faca, cartucheira
E o "trinta" já enferrujado,
Pois ficaram no passado
As redentoras batalhas
Das quais restam as medalhas
Sob a forma de cicratizes,
E no peito dos infelizes
A dor ainda gargalha.
Um rolo de fumo em rama,
Palha sovada, à vontade,
E para aplacar a saudade
Que em meu peito irá nascer
A guitarra devo ter
Nas noites de lua cheia,
Pois o querer é maneia
Que nos sufoca e embriaga
E sem a china que afaga
O coração corcoveia.
Bombachas e o tirador,
Rebenque, laõ e sovéu;
Junto ao surrado chapéu,
Na armada desse pedido,
Eu me ponho agradecido
Com tanta benevolência,
Pois tua unissapiência
Por certo vai permitir
Que eu quando daqui partir
Leve o Rio Grande em essência.
Jorge Moraes - Livro: Acalantos