Velha Sanga
Serpenteando o arvoredo,
A velha sanga troteia;
Nascida em berço de areia
Numa noite de aguaceiro;
Teve o vento por parceiro
Nessa gaudéria aventura
De ir sangrando a planura
Sem permissão do posseiro.
Sem mesmo pedras de porte
Travaram sua passagem
E dando rumo à viagem,
Fugindo ao destino errante,
Em seu andar incessante
Constantemente se abraça
Com um riozito que passa
Lá nas bandas do distante.
E sempre que o Sol se achega
Aos pelegos do horizonte,
Costuma vestir-se a fonte
Com pilches de entardecer;
Vê-se uma estrela reger
O coral do passaredo
Que do palco do arvoredo
Quer a sanga adormecer.
Quando se abre a cancela
À noturna liturgia,
O pipilar silencia
Ante ao murmúrio que cresce,
Chamando a Lua que desce
Para brincar em suas águas,
Esquecendo assim as mágoas
Da solidão que padece.
Tem despertado caprichos
Em muita prenda vaidosa
Que vem mirar-se orgulhosa
No tosco espelho corrente,
E um sorriso inocente
Mostra a candura dos lábios
Que não ocultaram ressábios
De beijos inda recentes.
Pequenos seixos jogados
Formam anéis de ilusões
Que levam a reflexões
Quanto peão sofredor
Que vem a expressar a dor
No rude confessionário
Em que o vento é o vigário
E também sofre de amor.
Velha sanga do piá,
Banhando o fogoso pingo,
Dos folguedos de domingo
E da pipa transbordando;
Aos poucos foram ficando
Sepultados a distância
E as águas da minha infância
Por onde estarão rolando?
Publicado em "Acalantos"